O que mais me atrai em um artista é sua identidade visual. E é óbvio que essa foi umas das principais razões para eu me apaixonar pela Gaga, que, como todos devem saber, sempre usou muitas referências visuais em sua carreira, como dança, teatro, moda, etc. Eu gosto de artistas assim: que me enchem os olhos! É claro que a música e o talento são importantíssimos, mas as referências visuais me conquistam facilmente. É como se a arte se tornasse uma experiência de imersão, dando mais “vida” a ela, explorando outros sentidos e, consequentemente, provocando sensações e interpretações totalmente novas que talvez não seriam sentidas sem a parte visual. Afinal, uma música pode até ser boa, mas com um videoclipe ou uma performance bem feita ela se torna ainda melhor. Não é mesmo?

Geralmente, é a partir da identidade visual que a treta se inicia entre as divas. Muitos de nós, fãs de música pop, exigimos que toda artista seja totalmente original e que seja diferente de tudo já feito antes – o que na prática não existe.

Comparar uma artista a outra é uma das “técnicas” mais utilizadas para tentar diminuir o trabalho de um artista que não gostamos muito, além de ser uma tentativa de reafirmar a originalidade e influência da nossa favorita. Assim, a gente pode continuar jogando uma contra às outras e “brincando” de quem é a melhor ou a superior. É quase igual a uma briga de time de futebol, mas nesse caso são divas, mulheres.

É uma verdadeira competição: quem é a mais autêntica? Quem tem o corpo mais bonito? Quem faz melhores apresentações? Quem é a mais talentosa? Quem tem mais prêmios? E os charts? São muitas as qualidades a serem julgadas, e a discussão rende muitos insultos e textões.

A identidade visual da Gaga foi alvo de comparações durante a maior parte de sua carreira, e imagino que todos aqui já devem estar cansados de ouvir comparações entre ela e Madonna – o que provavelmente é uma das rixas mais famosas da cultura pop atual.

Se eu perguntasse quem dentre as duas é a melhor, nós provavelmente chegaríamos a um consenso óbvio por aqui – uma vez que estamos em um site sobre a Gaga. Sem contar que a “treta” poderia ser gigantesca. Mas, felizmente, não é nada disso que eu pretendo fazer aqui, então controle seus dedinhos treteiros, por favor!

As rixas entre cantoras pop não se limitam a elas. Não há uma cantora sequer que ainda não tenha sido comparada a outra. A Nicki Minaj e Christina Aguilera, por exemplo, copiam a Gaga que, por sua vez, copia a Madonna, a Gwen Stefani e a Kylie Minogue, que copiam outras como a Marilyn que copia... não, espera, a Kylie e a Gwen copiam a Madonna, ou a Madonna copia a Kylie, não tenho certeza. Tem a treta da Nicki com a Lil Kim também, mas não interessa. Ah, a Christina também copia a Madonna, todo mundo copia a Madonna, eu acho... menos a Cindy Lauper – que ainda não tinha sido citada. Acho que a Britney entra aí em algum lugar. Só sei que no fim todas já copiaram a Marilyn. Mas, enfim, é o que dizem, né? É até difícil montar esse “mapa mental” com todas elas. São muitas comparações! Não me julguem.

Aliás, dando uma rápida passada pelos vídeos de algumas dessas cantoras, não é difícil encontrar alguns fãs fazendo o que eles adoram fazer: comparar. Comparações is everywhere!

“Gaga nunca vai alcançar isso. Nunca. Icônico de todas as formas”. Vogue, Madonna, como de costume.

“Foi assim que Lady Gaga conseguiu seu estilo de vestir”. In My Arms da Kylie Minogue.

“Lady Gaga é você?”, “Sia original? Aquele cabelo”, e o último comentário eu não preciso traduzir, é uma equação matemática extremamente difícil aquilo ali. Coisa de gênio. Todos foram encontrados no vídeo de Wind It Up da Gwen Stefani.

E, do nada, lendo os comentários do mais recente vídeo da Ariana Grande, Into You, adivinha o que eu encontro? Sim, comparações! Me diz qual a necessidade disso?

“Melhor que Lady Gaga e outras estrelas do pop novas”. Novas. NOVAS. N-O-V-A-S. Vindo de uma pessoa que claramente parou em 2009.

Será que estão dando um tempo da rixa Mariah vs Ariana? Não tô entendendo...

Mas, enfim, o que importa é que até hoje ninguém sabe quem fica melhor de cabelo platinado e franjinha reta, sinceramente. E o pior: quem é a platinada original?

É claro que todas copiaram a Leona (Carolina Dieckmann) da novela Cobras & Lagartos, não tenho dúvidas. Quem concorda?

Mas, falando sério, se for pra discutir quem foi a primeira a usar cabelo loiro com franjinha reta, lembre-se que até Hannah Montana usava. E se for falar de cabelo platinado em especifico, discuta com a diva das divas, Marilyn Monroe, o “ancestral comum” das divas pop.

Enfim, brincadeirinhas à parte, vamos logo ao foco desse texto! E se prepara porque é hora da problematização. Ou você achou que eu ia escrever um texto sem problematizar?? Jamais!

Às vezes, as briguinhas entre divas pop e/ou suas fanbases podem até ser divertidas, mas elas não param por aí (com memes e brincadeiras), vão muito além. Algumas dessas rixas tomam proporções estranhas e desnecessárias, a ponto de algumas pessoas dedicarem boa parte do seu tempo para atacar alguma diva nas redes sociais – é triste, eu sei. E, infelizmente, parece que ninguém para para refletir sobre as motivações por trás de toda essa “competição feminina”. Por que comparar? Por que competir? De onde surge essa necessidade de pôr uma artista feminina contra outras? É algo a se pensar.

Primeiramente, acredito ser essencial desconstruir (amo) essa ideia de que existe um artista completamente original e livre de qualquer influência ou inspiração. Nenhuma ideia surge do nada.

"Criação requer influência. Tudo o que fazemos é um remix de criações existentes, nossas vidas e as vidas dos outros [...]. Ninguém começa original. Nós precisamos copiar para construir uma base de conhecimento e compreensão. E depois disso, as coisas podem ficar interessantes" - Trecho do documentário Everything is a Remix, que pode ser visto pelo YouTube.

A criatividade não é algum tipo de mágica. Todo artista é, de certa forma, uma “colcha de retalhos” de influências, referências e inspirações – que necessariamente não precisa ser outro artista. E isso não diminui, de modo algum, a importância ou qualidade da arte de ninguém.

Inegavelmente, Lady Gaga, assim como suas colegas de trabalho, já se inspirou e se inspira em outros artistas, e é influenciada por outras artes, por sua vida pessoal, sua história, gosto pessoal, entre outras possibilidades. Hoje, ela mesma já inspira alguns outros artistas por aí. É quase um ciclo.

Algo que pode ser facilmente observado é a dificuldade que a maioria das artistas femininas tem em assumir que se inspira em outras. Muitas delas se sentem obrigadas a negar suas referências, principalmente se for outra mulher. A pressão é bem menor quando se trata de homens na música pop. A comparação entre eles também existe, mas é bem menor. Muito menor. Já uma mulher não pode se igualar a outra, tem que sempre demonstrar superioridade. E aí voltamos à questão da competição feminina.

Você provavelmente se lembra dos tweets (problemáticos) da Gaga para Katy Perry em 2014, que reavivou a rixa que já estava praticamente esquecida – pela mídia, pelo menos.

“Parece que cabelo verde e cavalos mecânicos estão na moda agora”

Assim não teve como te defender, Gaga! Por mais que realmente haja similaridades, elas eram praticamente insignificantes. A duas são artistas completamente diferentes, estilos diferentes, performances diferentes, não há motivos para comparar. Aliás, os jovens emos, revoltados e alternativos já usavam cabelo verde antes de qualquer uma das duas. Então, parem!

Eu sei, é compreensível. Um shade é um shade, e às vezes escapa. Ainda mais porque ela, assim como grande parte das mulheres, aprendeu desde cedo a competir com as outras. E quando se trata de cultura, fazemos muitas coisas sem perceber, seguimos o fluxo e repetimos aquilo que aprendemos. Então, é algo que sai quase como uma reação automática, um reflexo ou algo do tipo. Mas, obviamente, não deixa de ser problemático.

Toda essa competitividade sempre esteve relacionada a nossa cultura. Ser competitivo pode até ser uma característica natural, mas ela é intensificada pela educação que as meninas recebem. Não que os pais queiram e incentivem suas filhas a competir com outras meninas, mas, como já disse antes, é algo que fazemos e reproduzimos sem perceber. Essa competitividade continua durante a vida adulta e acaba sendo passada às novas gerações.

Quem nunca ouviu alguma mulher falando mal de outras? Só por falar mal mesmo. Ou dizendo que mulheres não são confiáveis, são invejosas, traíras, etc? Aquele papinho machista, sabe?

Essa competição não é saudável e muito menos “natural”, como alguns gostam de justificar. Ela corrói qualquer possibilidade de um convívio harmônico entre essas mulheres, e dificulta a construção de qualquer diálogo e de aproximação entre elas, impedindo uma possível identificação. Essa desunião promovida pela competição feminina as mantém de forma oprimida e calada, além de dificultar a sororidade. É mais uma forma sutil do machismo se manifestar e de manter as coisas como elas estão. Isso acaba atrasando debates sobre gênero, sexismo e relações de poder, e também atrasa qualquer possível mudança nesse âmbito. E, obviamente, impede até que haja alguma reflexão em relação a própria competição.

Tá, mas o que tudo isso tem a ver com as divas pop? Apenas TUDO. Elas são mulheres, não são? E estão tão sujeitas ao machismo como qualquer outra mulher, certo? Pois então, além disso, elas são influentes, são modelos e inspirações para outras mulheres e também para homens, e, por isso, o comportamento que algumas delas apresentam e, principalmente, o que nós, como fanbase, apresentamos pode reforçar ainda mais essa competição. O nosso papel como fã deve ser evitar que isso ocorra, e também defender o espaço artístico de todas essas mulheres. Não há nenhuma razão plausível em compara-las, principalmente na intenção de promover uma mulher em detrimento de outra. E ao incentivarmos esse tipo de competição, acabamos apoiando o machismo – mesmo sem ter tido a intenção.

Há espaço para todas, ou, pelo menos, deveria ter. Nenhuma artista precisa “tomar o lugar” ou substituir alguma outra, o lugar é dela, basta ter seu público. Sem contar que quanto mais música pop, melhor!

É claro que sempre vai ter aquela cantora que a gente não gosta muito, mas não faz o mínimo sentido ter que compara-la a outras para tentar “diminuir” o seu trabalho. Antes de fazer qualquer comparação, pergunte-se se isso é realmente necessário - o que provavelmente não é. Comparar divas pop não torna a sua melhor e a outra pior, na verdade, você só dá força ao machismo. E a que preço?

Eu entendo que é difícil deixar de comparar, é um costume, mas só tente! Às vezes, eu também me pego louco pra tretar com alguma fulaninha que não gosta e ofende minha diva, mas não vale a pena. É uma discussão desnecessária e que não vai me ajudar em nada. É só puro desperdício de tempo.

Quando falarem mal da sua diva, diga aquela palavrinha mágica – que eu não posso escrever aqui, mas que você conhece muito bem, e que é equivalente à expressão “dane-se” – e vai ser feliz ouvindo suas musiquinhas. Mas não entra em treta não, e nem fica comparando as coleguinhas do pop. Lembre-se desse texto e também da sua responsabilidade. E chega de close errado! Aliás, recomendo que você leia (ou releia) o texto “Pare de chamar a Madonna de velha” que pode complementar muito do que foi dito aqui.

Eu não sei vocês, mas eu quero ver mais relações bonitas como a da Gaga e a Kesha, mais feats como a Christina em Do What U Want, e menos rixas desnecessárias. E eu também quero ver vocês jurando nos comentários que vão, no mínimo, tentar parar com essas comparações, hein!? "Vamos nos mais amar", como diria a filosofa Inês Brasil.

Revisão Phill Emmanuel