Nesta quinta-feira, dia 17, um nova publicação foi feita pela i-D (revista britânica dedicada à moda, música, arte e cultura jovem), na qual a mesma relembra partes importantes da carreira de Lady Gaga e suas mensagens em forma de performance, como por exemplo seu corpo elevado e sangrando no VMA 2009.

Além disso, a revista também destaca que a cantora não deu tempo para o público se esquecer dela, aproveitando seu sucesso meteórico para lançar a inesquecível "Bad Romance", que atualmente possui mais de 1 bilhão de visualizações em seu videoclipe.

Leia a publicação completa traduzida:

Como 'Bad Romance' de Lady Gaga mudou a cara do pop

10 anos depois de seu lançamento inicial, o impacto desse influente lançamento ainda está reverberando.

10 anos atrás, o panorama do pop mudou para sempre. Depois de 18 meses de persistentes enxertos e de balançar discos sticks no rosto das pessoas, uma então Lady Gaga de 23 anos estava prestes a revolucionar sua própria carreira e o pop em geral com o lançamento de 'Bad Romance'. Tirado de um relançamento de seu álbum de estreia, 'The Fame Monster' - uma adição de oito músicas - a música consolidou sua arte. Não mais tendo de convencer o público a prestar atenção, ao invés disso ela comandou um já cativado público a apreciar uma teatralidade de vanguarda que faltava muito no pop.

A jornada de Gaga começou com 'Just Dance'. A música eletro-pop já tinha sido um sucesso crescente antes de se tornar um single #1 em Janeiro de 2009 e as pessoas começaram a prestar mais atenção na garota festeira inspirada por David Bowie. O mundo estava passando por uma esfriada de 'Single Ladies' enquanto simultaneamente aproveitava a volta bem sucedida de Britney Spears em 2008. Foi o momento perfeito para 'Just Dance', uma sensação facilmente reconhecida na Cyndi Lauper dos anos 80 e na tendência do pop europeu dos anos 2000.

Seu álbum de estreia subsequente, 'The Fame', continha smashes certificados como 'Poker Face', conscientes menções ao sexo em 'Love Game', e as batidas dignas de repetição em 'Boys Boys Boys'. Enganosamente simples num primeiro momento, o álbum era um incansável e ambicioso comentário sobre a natureza hedonista e intoxicante da sexualidade, popularidade e da fama. Ainda assim, essa encarnação de Gaga também foi ditada pelas regras da indústria dominada por Black Eyed Peas e pelo pop eletrônico. Ela cantou suas músicas com um tom mais alto do que o seu registro natural de forma a conseguir ser tocada nas rádios e, inicialmente pelo menos, tocada nas festas das fofas e estéticas garotas socialites.

Os conceitos de sua estranheza, no entanto, foram incentivados por roupas cada vez mais estranhas, chapéus que causavam suspiros feitos de cabelos lilases e até uma recusa em reconhecer rumores inteiramente inadequados de intersexismo que a perseguiram por um tempo. De forma parecida, com cada single lançado ela se superava, indo contra a era de vídeos musicais inofensivos sobre clubes em favor de uma alta costura estranha que assumisse as complexidades da fama, indicando seu próximo passo. Então, em setembro de 2009, ela parou de provocar a extensão de sua arte pop e sangrou até a morte no palco em frente a Beyoncé (e o resto do mundo) enquanto cantava 'Paparazzi' no gogó, no MTV Video Music Awards, como se dissesse: vocês mal arranharam a superfície.

Nem um mês depois, 'Bad Romance' chegou e foi como se a visão artística dela fosse finalmente libertada. Com o tecno alemão dos anos 90 e uma faixa inspirada no house, produzida por RedOne, ela entregou um espetáculo completamente formado que utilizou alta costura e fantasias para fazer uma declaração desafiadora que é melhor compreendida na postagem de hoje sobre a cultura #MeToo.

Para entender a magnitude do impacto do single, é importante entender o papel que a alta costura teve nesse sucesso. Após mandar para o estilista Alexander McQueen uma versão prévia de 'Bad Romance' para ser lançada durante seu último desfile, ele enviou à Gaga a coleção para ser usada no clipe antes de todo mundo. A coleção – que incluía as botas armadillo, que Sarah Mower chamou de 'grotesco' depois de presenciá-las na Semana de Moda de Paris – dramatizou a força que ela (Gaga) queria que a canção e o clipe transmitissem. Visualmente, na época, o pop tinha se tornado prisioneiro de visuais estereotipados e estéticas de fácil acesso (Pense nas Pussycat Dolls ou 'Party In The USA'), aos quais Gaga rejeitou em favor de radicalidades e extravagância. Casando seu talento musical com a visão de McQueen, dois revolucionários se uniram para transformar o cenário pop em algo emocionantemente teatral.

'Eu estava animada pra fazer da cena de abertura [do clipe] uma propaganda de moda, que fosse um pouco emocionante, mas bizarro', ela disse em uma entrevista de 2015. 'Alexander McQueen tinha nos mandado todas as suas roupas de 'Plato's Atlantis' (seu último desfile) e eram todas tão bonitas. Nós mal podíamos crer que ele as tinha mandado para nós, então aquilo foi uma inspiração muito forte nesse clipe também'.

Embora estilistas mandando suas coleções aos músicos não fosse uma novidade 10 anos atrás, Gaga viu esse gesto como a honra de um pioneiro, que estava revolucionando a indústria da moda ativamente, e abraçou isso para transformar a indústria da música de forma similar. Desta maneira, o look final do desfile foi usado no clipe enquanto a música crescia para o emocionante e arrasador refrão final – incluindo as lendárias botas armadillo. 'Eu só lembro que quando eu usei aquela roupa, eu fiquei dizendo a todos no set: 'A gente não pode usar mais nada de nenhum outro estilista, que não seja de talentos jovens e tudo deve combinar bem com as roupas do McQueen, e fora isso nada mais deve ser usado", ela disse depois.

Ficaram para trás os laços de cabelo fofinhos ou aqueles óculos cobertos de diamante, ao estilo da série Jersey Shore, enquanto Gaga abraçou criações de outro mundo, como uma forma de superar as batalhas muito humanas, sobre as quais ela cantava. As roupas brancas de látex, o chapéu de lustre, os anéis orbitantes, o casaco de urso polar, o sutiã de fogos de artifício; essas criações da Haus Of Gaga eram sua armadura, fazendo-a parecer intocável. Ela era uma sobrevivente procurando vingança, em sua própria versão campy e feminista de Taken (minissérie). Agora sabemos que Gaga é uma sobrevivente de abuso sexual, embora não soubéssemos na época. Em uma entrevista de 2015, onde ela revisitou o clipe, ela declarou: 'Eu queria parecer uma drogada, um tipo de bonequinha doente [...] Eles me drogaram pra me trazer a esses homens, que iam tentar me vender por muito dinheiro. Que é, basicamente, como eu sentia que toda minha vida era tratada até aquele momento'.

[Lá pelo fim do clipe] 'Eu me sinto poderosa e digo: 'Vai em frente e me compre, vai em frente e pague por mim, e você não tem ideia do que farei por você depois que isso acontecer".

Mas 'Bad Romance' e 'The Fame Monster' também chocaram a indústria da música. O último teve como inspiração o horror e explorou o lado sombrio dos temas que seu álbum de lançamento estava focado. Ao invés de ser um álbum 'modelo', produzido para vendas natalinas, ela o fez para ser um modelo por si só, que virou seu primeiro álbum de cabeça para baixo. Enquanto 'The Fame' se destacou em excesso de riqueza, glamour e luxo, o álbum seguinte explorou o lado tóxico da obsessão, objetificação e indulgência. Não era uma desdenha do otimismo anterior, e sim um reflexo do que Gaga em entrevistas descreve como 'yin e yang'. O material mais pesado e 'gótico' iniciou as influências industriais que ela atingiria depois em 'Born This Way', enquanto seu retorno provou que artistas novos podem se reinventar durante seus hiatus. Sem esse acontecimento, Lana Del Rey poderia não ter nos levado ao 'Paradise' tão cedo, enquanto as reinvenções anuais de Rihanna - quando ela era realmente uma popstar - poderiam ter um intervalo maior de tempo.

A música ('Bad Romance') por si só também nos apresenta uma artista completamente diferente do que muitos tinham conhecido apenas nove meses antes, uma artista que estava criando em um nível totalmente diferente - e em uma velocidade totalmente diferente - que seus pares. A letra: 'I'm a free bitch baby' (Eu sou uma vadia livre, baby) era mais uma frase alvo para o lançamento inteiro, assim como ela entregou sua mais desenfreada, quase insana, performance vocal com um videoclipe que nos mostrou um híbrido entre desfile de moda e filme de longa metragem. Cada performance se iguala através de outra visão da 'Haus Of Gaga', do banheiro de ouro do 'X-Factor' ao piano cinzento no 'The Ellen Show'. Não importava se era um programa de talentos para família ou um passatempo diário, qualquer oportunidade era um momento de forçar sua criatividade e narrativa ao máximo. Pelo mesmo motivo, ela redesenhou a estética de sua primeira turnê para complementar a mudança adicionada em seu novo álbum.

O legado de 'Bad Romance' é, assim como Gaga, dividido em camadas. Sua criativa parceria com McQueen transformou completamente a relação entre moda e música. A corajosa história do clipe incentivou a indústria da música a correr riscos novamente, destacando a importância de uma arte única oposta a uma estética única. Todo mundo desde Nicki Minaj e Katy Perry a Bebe Rexha e Ava Max lutam para ofuscar umas às outras com fantasias de nuvem, enquanto videoclipes desnecessariamente longos se tornam a principal (e desesperada) tentativa de transmitir sua profunda arte. Sua influência transitou bem além de estética, também, assim como o single ('Bad Romance') e 'The Fame Monster' trouxeram arenosidade e transparência pura ao estrondoso porém vazio pop EDM. Ao 'se matar' no palco em sua última performance de 'The Fame' e renascer no início do clipe de 'Bad Romance, ela reinventou sua carreira depois de apenas 18 meses e se entregou por completo à arte pop.

Possivelmente, o patrocínio da liberdade criativa de Lady Gaga preparou o terreno para artistas similares seguramente descobrirem suas próprias visões durante a década subsequente. Nós assistimos alguns tropeços ao olharem para Gaga procurando por inspiração demais, enquanto outros floresceram quebrando suas próprias barreiras. Até Gaga se perdeu na tensão de 'ARTPOP', a sua própria visão se virou contra as expectativas impossíveis que ela criou com 'The Fame Monster'.

Na época, entretanto, a indústria se encantou pela natureza de 'Bad Romance' e sua 'extravaganza'. Mas de verdade, a mágica está no fato de que não era simplesmente se vestir por se vestir. As roupas e a estética eram sua armadura e o clipe sua fantasia, dando a ela chance de ser vulnerável e revelar seus traumas passados através de sua arte. O single pôs propósito e intenção de volta às paradas, e nos levou a entender que a indústria pop é mais que performance. Ao invés disso, ela é reveladora e sem filtro; maluca porém brilhante.

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Fonte

Tradução por Alexander Junior, Marilia Bueno e Perfume Tropical

Revisão por Marcos Vinícius de Souza

Imagem: YouTube / Divulgação: i-D Vice