A partir de abril até o final do ano, esta coluna vai publicar algumas previsões sobre a carreira e a construção da imagem pública da Gaga ao longo da década que se inicia. Daqui a 10 anos, em 2030, bora ver o que se tornou verdade e o que não passou de uma perfeita ilusão?


Todo mundo deve lembrar da Angelina Jolie viajando o planeta em nome da ONU, né? Desde 1954, a Organização das Nações Unidas nomeia artistas, atletas e celebridades como Embaixadores da Boa Vontade. Esta é uma função voluntária, sem salário ou coisa do tipo, e foi uma maneira que a organização encontrou para chamar a atenção da humanidade e da mídia para assuntos como a fome, a saúde mental e os direitos civis ao redor do globo. Angelina, por exemplo, é conhecida por ter sido embaixadora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) entre 2001 e 2012, quando deixou de lado o título para se tornar Enviada Especial.

Ao longo de todos esses anos, diversas cantoras de música pop também foram escolhidas para representar alguma agência da ONU em diferentes áreas de atuação. Os nomes vão desde Selena Gomez, apresentada como embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) aos 17 anos, até Céline Dion, nomeada aos 42, passando ainda por Shakira, Katy Perry e Rita Ora.

E onde Lady Gaga entra nessa história?

Nas últimas semanas, ficaram cada vez mais fortes alguns burburinhos envolvendo o nome da Gaga e o da ONU depois da cantora protagonizar ações de combate ao coronavírus em nome da Organização Mundial da Saúde (OMS). Até Nobel da Paz entrou nas apostas. Mas será que a mãe monstra realmente pode ocupar algum cargo, ainda que voluntário, na organização?

Bom, vamos a alguns fatos para avaliar essa possibilidade.

Em 2011, a Gaga criou a Born This Way Foundation em parceria com a sua mãe, Cynthia Germanotta. Desde então a instituição filantrópica tem realizado ações antibullying e que procuram contribuir com o fortalecimento da saúde mental de jovens dos Estados Unidos e de outras nações.

Um ano depois, em 2012, a BTW Foundation se juntou à ONU e à UNICEF para lançar o projeto Youth Empowerment Initiative, que visava ajudar jovens órfãos e moradores de comunidades carentes. Foi através desse projeto que Gaga viajou em nome da sua fundação e da ONU por alguns países, como o Peru.

O que talvez pouca gente saiba é que em 2019 a OMS nomeou ninguém menos do que Cynthia, a mulher que pariu Stefani, como Embaixadora da Boa Vontade por seu trabalho ligado a saúde mental à frente da BTW Foundation. Ou seja, a própria mãe da Gaga já possui um cargo voluntário na organização.

Perfil de Cynthia Germanotta no site da OMS.

Mas a cereja do bolo aconteceu recentemente, quando o diretor-geral da OMS fez uma ligação por telefone (sim!) com a Gaga e ela disse: "Alô, alô, baby, você ligou? Não consigo ouvir nada, o sinal é fraco na balada". Bom, talvez a conversa não tenha sido exatamente assim, mas a ligação de fato existiu.

No Twitter, Tedros Adhanom agradeceu a Gaga por "liderar o caminho com sua gentileza, solidariedade e conselhos para o mundo em resposta ao COVID-19". Posteriormente, em uma coletiva de imprensa com Tedros, Gaga foi anunciada como a curadora do One World: Together at Home, evento da OMS para celebrar os profissionais que têm ajudado a combater a pandemia do coronavírus.

“Uma ótima ligação com @ladygaga. Eu agradeci a ela seus contínuos esforços para mostrar compaixão e gentileza para o mundo. Ela está pronta para ajudar a @OMS de qualquer jeito possível na luta contra o #COVID19. Juntos!"

A construção da imagem pública da Gaga relacionada ao bem-estar coletivo e à saúde mental, apesar de ter começado oficialmente com o lançamento da BTW Foundation em 2011, se intensificou após o fim da fase ARTPOP e o início da parceria musical com Tony Bennett em 2014, e tem contado com a enorme contribuição de Bobby Campbell, empresário da cantora justamente desde... 2014.

Basta notar que foi a partir desse período que as escolhas profissionais e aparições públicas da Gaga penderam cada vez mais pro caminho de um discurso de autocuidado, de paz e de bondade.

O álbum Joanne, em 2016, foi um total reflexo desse discurso, com músicas como Come to Mama, que pede para as pessoas "pararem de jogar pedra nos seus irmãos", e Hey Girl, que diz que "tudo pode ficar mais fácil se levantarmos umas às outras". Foi também em 2016 que Gaga participou de um encontro com o líder espiritual Tenzin Gyatso, o atual dalai-lama tibetano.

Um ano depois, em 2017, ela lançou o documentário Gaga: Five Foot Two, pelo qual, ao revelar ao mundo e à mídia que sofre de fibromialgia, se tornou uma porta-voz da causa. Em 2018, Gaga escolheu protagonizar o filme Nasce Uma Estrela, cujo roteiro aborda questões como depressão, alcoolismo e suicídio — ainda que algumas resenhas tenham questionado a forma como esses tópicos foram tratados.

Todas essas decisões de carreira, aliadas ao atual protagonismo da Gaga frente à pandemia do coronavírus, são, sim, pensadas e validadas estrategicamente, mas não vêm apenas de um lugar de maturidade da cantora, que em 2026 vai completar 40 anos. Vêm provavelmente da percepção dela sobre as mudanças do mundo e consequentemente sobre o que o mundo espera de uma figura pública.

Durante muitas décadas, especialmente entre os anos 1970 e 1980, a noção de rebeldia e agressividade e a exposição do consumo de drogas, por exemplo, eram o que ditava o comportamento de boa parte dos artistas mais famosos do globo, e a própria Gaga surgiu embebida dessas fontes.

Mas há um tempo, ela já parece ter notado que a idealização da imagem de artistas e celebridades está cada vez mais ligada à exposição da própria fragilidade humana. Se antes as pessoas queriam artistas inatingíveis, hoje elas querem humanos próximos que também mostrem suas vulnerabilidades, e a expansão das redes sociais têm tudo a ver com essa mudança de comportamento.

Por isso, ao longo da próxima década, com certeza Gaga vai dar continuidade à construção da sua imagem associada à preocupação com saúde mental e ao estímulo a ações de bondade e solidariedade. Tornar-se Embaixadora da Boa Vontade na ONU é, então, um caminho que conversa totalmente com essa construção e completamente possível de acontecer, considerando a ligação cada vez mais estreita da Gaga com a OMS e as transformações provocadas pela atual pandemia, que vão fortalecer mais discursos de união humana pelos próximos anos. Afinal, já dizia a pensadora contemporânea: não vai haver futuro se não resolvermos isso juntos.

E você, o que acha? Diz aí tua opinião.