Em uma nova entrevista feita por Martha Debayle, publicada pela Moi Magazine, Lady Gaga fala sobre diversos assuntos, incluindo seu novo álbum, "Chromatica".

Na entrevista, além de falar sobre o novo trabalho, a cantora também falou sobre saúde mental (citando suas respostas ao trauma), relatou já ter vivido relacionamentos abusivos (citando a criação de uma das faixas do novo álbum) e também falou sobre não querer desistir, mesmo tendo que viver com diversas dores por todo seu corpo (citando a fibromialgia).

Confira a capa da edição deste mês com Lady Gaga:

Leia a entrevista completa traduzida:

VOCÊ DIZ, GAGA

Por Martha Debayle, fotos por Norbert Schoerner.

"Natalie, estamos no caminho certo?

Sim, vire à direita".

(SEM BRINCADEIRA, VOU VOMITAR. DIRIGIMOS POR 15 MINUTOS EM CURVAS QUE TINHAM INCLINAÇÃO DE QUASE 90 GRAUS, SUBINDO UMA MONTANHA QUE, SEM ESTAR MUITO FAMILIARIZADA COM LOS ANGELES, DEDUZO SER A QUE TEM O LETREIRO DE HOLLYWOOD. ESTAMOS INDO EM DIREÇÃO A CASA DE GAGA).

Dois co-pilotos muito ruins me acompanham. Não direi seus nomes em respeito à suas imagens públicas, mas um deles é a editora desta revista e o outro é um dos meus melhores amigos, que me maquia há uns 18 anos. Me falam novamente para virar à direita e eu sinto que estamos andando em círculos. Quase 22 minutos depois, com enjoo e com a alergia atacada, porque fiquei olhando muitas árvores, arbustos e flores que passavam, chegamos a uma das casas de Lady Gaga, onde ela tem o estúdio em que grava a maioria de suas músicas.

Na porta, nos pedem para lavar e passar gel antibacteriano nas mãos. Nós pensamos que fosse exagero; estamos no início de março e não víamos as questões sobre a COVID-19 como algo sério ou tão próximo. Eu estava em Palm Springs para gravar uma propaganda; Lady Gaga estava ali para a promoção de sua nova produção: "Chromatica". Estávamos todos felizes, porque seria a única entrevista que ela concederia para a América Latina e também a única capa a ser feita, para a revista Moi. Ambas estávamos preparadas para novas vitórias no mês de abril... dois dias depois, não saímos mais de casa.

O lançamento de seu álbum, originalmente previsto para 10 de abril, foi adiado e não o cobriríamos até que nos fosse dado um novo aviso. Todos os planos jogados no lixo, porque como dizem, se você quiser fazer Deus rir, conte a Ele os seus planos. Nesse caso, deve ter sido altas gargalhadas.

Este é um lançamento muito importante para ela, é o seu sexto álbum de estúdio. Trabalhou por três anos em sua produção com BloodPop, este que também colaborou em seu álbum de 2016, o "Joanne". Participaram ainda deste trabalho, o DJ e produtor alemão de pop e música eletrônica Boys Noize e o Swedish House Mafia. Parece dançante, certo? Afirmativo. Neste instante, certamente, muitos de vocês já ouviram o primeiro single do "Chromatica", "Stupid Love", que de fato é bastante dançante. E bem, este é o ritmo do álbum inteiro. Mas vamos voltar para o estúdio doméstico de Lady Gaga…

Entramos e fomos para uma sala de espera. Todos um pouco nervosos. Eu sendo ameaçada por Natalie para que não deixasse minha asma alérgica me trair e que segurasse a vontade de tossir, porque eles iriam nos expulsar, pensando que estávamos infectados, hahahaha.

Sinto aqui uma obrigação moral de dar a vocês o contexto, para que entendam como o foi meu primeiro encontro com ela. Como eu dizia, antes de chegar a Los Angeles, eu estava em Palm Springs filmando uma propaganda da qual haviam colocado em mim umas sessenta unhas postiças. No meio da filmagem, percebo que tínhamos um soldado caído. Aquele soldado era minha unha do dedo mindinho direito e, como a entrevista seria em vídeo, eu não poderia aparecer deselegante. Para piorar, a unha estava perdida na minha bolsa enorme e comecei a procurá-la, cada vez mais freneticamente porque não a encontrava. Então escuto uma voz: "Olá! Como vocês estão? Muito obrigada por terem vindo. Por favor, avisem a minha equipe se vocês quiserem alguma coisa, café, comida e providenciaremos para vocês". Um encanto. Era ela. Eu sorri para ela e então continuei minha procura, porque agora eu tinha pouco tempo. Estava tão focada na minha busca que não percebi que ela estava na minha frente, tentando me cumprimentar, até que ouvi: "Oi, Martha. Obrigada por ter vindo, estou muito feliz em te conhecer". E meus co-pilotos disseram que eu a cumprimentei até meio irritada, por ter interrompido a minha busca pelo soldado caído, mas não é verdade, eles estão mentindo, fui muito amorosa com ela.

PESSOALMENTE É…

Bem, eu me sentia em casa. Ela chega em salto-plataformas de quase 25 cm, uma maquiagem estilo Amy Winehouse, uma jaqueta preta bem larga e ela é exatamente como você imagina: pequena, magra, extravagante, elegante. Nos sentamos lado a lado em seu estúdio de gravação e começamos.

"Eu ouvi por aí que você é a rainha do show, então a Rainha, Martha".

SEU ESPANHOL É BOM

"Não, só o rrrainha".

É tão revigorante te ouvir falar tão livremente sobre sua saúde mental. Em tudo o que faço, sempre digo: "compartilhe conhecimento", porque você nunca sabe quando sua história pode mudar a vida de alguém.

Eu sei sobre estupro, estresse pós-traumático e todos os problemas pelos quais você passou. Mas o fato de você ser tão aberta é muito emocionante.

"Sim, compartilhar sua história é muito importante. E eu compartilho porque isso faz parte de ser gentil e empática. Porque o que você está dizendo é: 'Olha, isso aconteceu comigo' e alguém pode se identificar, se sentir menos sozinho. Outro dia, tive um episódio de resposta ao trauma, e isso já faz parte da minha vida. Ocasionalmente, meu cérebro funciona mal e penso estar em crise, quando não estou, e falo coisas que não fazem sentido, é aterrorizante. É como se alguém apertasse o botão de pânico no meu cérebro e dissesse: 'Crise, crise, crise!'. E eu senti como se estivesse saindo do meu corpo e meu cérebro estivesse dormindo, mas aprendi a voltar. Você tem que mover o seu corpo, cuidar de si, ter compaixão consigo, e agora percebo que ser bondosa e amável não é apenas ser assim com outras pessoas, mas isso começa com você mesma".

A dor tem sido uma constante nos últimos anos na vida de Gaga. Em fevereiro de 2018, ela cancelou as últimas dez datas de sua turnê mundial do "Joanne", seguindo os conselhos de seus médicos, devido à dor intensa que sentia. Ela escreveu para seus fãs no Twitter: "Estou devastada. E eu não sei como descrever isso. Só sei que se não fizer isso, não estarei respeitando as palavras ou o significado que a música tem".

A fibromialgia continua sendo um mistério para a medicina. É um distúrbio caracterizado por dor, fadiga, problemas com sono, memória e um humor deprimido - e tudo isso faz parte do seu dia a dia.

Quando você fala de dor, você fala muito sobre fibromialgia.

"Sim, falo sobre fibromialgia, que é uma forma de dor neuropática".

"Sinto que é uma daquelas coisas que ainda não deciframos direito, encontrei alguns tratamentos que funcionam para mim, mas o que funciona para mim não necessariamente funciona para outra pessoa".

O ÁLBUM. "CHROMATICA".

Já havíamos andado muito naquela manhã, só que dessa vez em Santa Mônica, porque também não estávamos conseguindo encontrar o escritório da Universal para sentar e ouvirmos seis faixas do álbum, o que era extremamente necessário para podermos falar com mais propriedade na entrevista. Chegamos e fomos para uma sala de reuniões com oito palestrantes espetaculares que, a propósito, me incentivaram em meus projetos - e isso depois que entregamos nossos celulares e assinamos um acordo de não divulgação, do qual juramos por tudo que é mais sagrado que não diríamos nada antes do lançamento, eles nos mostraram "Chromatica I", "Free Woman", "Sour Candy", "Fun Tonight", "Rain On Me", "Stupid Love", e todas serão um sucesso. O álbum inteiro é muito dançante, muito feliz, muito Lady Gaga desde o começo.

"Eu amo como você pronuncia, 'Chrrromatica', e você se lembra de todos os nomes [das faixas] de uma só vez!", ela diz, muito surpresa com a minha memória, haha!

Foi uma terapia?

"Sim, foi. Mas normalmente não digo isso sobre fazer música porque quando vou ao estúdio, eu vejo isso como escrever em seu diário. Para mim ainda é poético, ainda é poesia, ainda continua a ser sentar e compor certos acordes no piano ou escrever uma prosa que realmente toque o meu coração. Às vezes digo que abro um portal para outro mundo e que estou tentando ouvir sons e as coisas que Deus está me pedindo para dizer ao mundo. E para mim, Deus pode ser qualquer coisa, para qualquer pessoa, é o universo propriamente, sabe? Eu tenho um conceito muito aberto sobre Deus. Mas a razão pela qual isso foi como terapia para mim, é por causa da dificuldade que eu tinha em entrar no estúdio".

E aqui, você gravou aqui?

"Sim, aqui é tipo a Casa da Gaga, o escritório. Aqui embaixo tem o estúdio e os escritórios e os quartos estão no andar de cima. Mas o BloodPop ia até a cozinha e dizia: 'Vamos lá, vamos fazer música', e houveram momentos em que eu estava super deprimida e triste e respondia: 'Não, eu nem sei sobre o que vou escrever, me sinto infeliz, devo eu ser Lady Gaga? Eu deveria estar fazendo música?' E ele dizia: 'Vamos lá, vamos lá embaixo'. Cedia e quase sem perceber começava a escrever e cantar. Eu nunca ouço uma música pela primeira vez sem um microfone na minha frente, porque as melhores ideias sempre me surgem na primeira vez que ouço algo. Na verdade, como você disse, foi um processo terapêutico porque, quando ouvia [a música] novamente, pensava: 'Não posso acreditar no quão alegre isso está, não posso crer nesta celebração, não consigo acreditar que sejam músicas dançantes enquanto estou sentindo tanta dor'". Esse lugar, que ela chama de Casa da Gaga, tem cozinha, quartos, banheiros, jardim e, claro, um estúdio de gravação, e é por isso que ela diz que, para ela, deixar de estar em sua casa, de deitar-se ou cozinhar para ir ao estúdio, era uma esforço infernal e, nesse sentido, o processo foi terapêutico. Parte de sua dor também é emocional. Ela tem um trauma muito grave e diz que fez esse álbum pensando em quem está passando por algo semelhante.

"Minha missão com este álbum é que as pessoas saibam que, mesmo sofrendo, você irá superar isso; precisam acreditar em si mesmos e estar dispostos a suportar tempos difíceis, render-se a eles e dizer: 'isso não vai ser fácil, mas eu vou tentar'. Eu tentei todos os dias e consegui fazer esse álbum".

Assim como aplaudo todos aqueles que têm a coragem de falar abertamente sobre tópicos tão íntimos e estigmatizados quanto a saúde mental, eu a aplaudo.

Eu estava lendo as letras das músicas, e há uma que me fez pensar no momento tão importante que nós mulheres estamos vivendo no México. Eu contei para ela sobre a marcha e greve nacional que acabara de acontecer, porque todos os dias eles matam de 6 a 7 mulheres, só porque são mulheres! E na maioria dos casos, isso vem das mãos de seus parceiros. Exatamente uma de suas músicas fala muito desse tema com uma frase que diz: "eu continuo a ser algo, mesmo se não tiver um homem" - coisa que todas nós precisamos ouvir com mais frequência, entender e se apropriar do conceito.

"Eu acho que relacionamentos abusivos é algo que não é falado o suficiente. Além disso, como americana, sinto que, nos reality shows e em todos esses programas de namoro, os mesmos produtores e executivos estão normalizando o abuso. Eu vejo e não acredito que eles nos mostram e comemoram o abuso como se fosse normal, quando não é! Não é normal que um homem controle uma mulher. Não é normal que um homem manipule uma mulher e faça com que ela se sinta louca por ela ser ela mesma. Eu já vi coisas assim e devo dizer que literalmente me doeu ouvir que uma mulher foi assassinada pela pessoa com quem ela estava e que talvez ela estivesse em um relacionamento abusivo por um tempo, mas não é fácil de sair [do relacionamento], sabe? Eu gostaria de conversar com mulheres jovens e todas as pessoas, dizer a elas que abuso emocional também é abuso, você não precisa ser atingido fisicamente para se machucar. Não é algo que deva ser padronizado e espero que a marcha, é claro, sirva a favor das mulheres".

"Free Woman" está no "Chromatica" para que ouçam.

"Eu escrevi essa música porque estive em relacionamentos abusivos e escrevi especificamente sobre dizer: 'Você quer saber? Prefiro ficar sozinha e livre do que em uma prisão com um homem'. E às vezes é muito difícil tomar essa decisão porque você pensa: 'Eu não quero ficar sozinha, prefiro a dor do que ficar sozinha', mas, você sabe, você não precisa de um homem para ser forte, não precisa de um homem para ter alguém que a respeite, você não precisa de um homem para ser poderosa e inteligente. O que importa é colocar-se no mais alto, colocar a si mesma em um pedestal, nem um homem e nem outra mulher poderão decidir em que pedestal você deve estar. Este pedestal é seu, mas demorei muito tempo".

Ela mesma já esteve em relacionamentos abusivos e me contou isso. É um fato público que ela esteve noiva duas vezes: primeiramente com Taylor Kinney, em 2016, e depois com Christian Carino, em 2018. Mas hoje, e provavelmente graças aos relacionamentos e términos que teve, ela já percebeu que essa validação não é de responsabilidade de seus parceiros.

Hoje você é livre?

"Eu sou muito livre... mas isso demorou muito. Percebi que esperava coisas dos meus namorados tipo: 'Você vai me colocar em um pedestal? Você vai fazer isso? Quão alto?' E agora eu me coloco em um pedestal.

**Há outra frase que adorei: 'Se você quiser me mudar, vamos terminar agora'".

"Sim, não preciso mudar, porque sou eu e se você acha que há um problema em mim, não devemos ficar juntos".

EXATAMENTE!

Eu amo o que você diz sobre ter encontrado sua paixão com muito trabalho e você disse algo que me identifiquei muito: 'Paixão também é disciplina'. Conte-me sobre isso e para todos que leem e ouvem essa conversa e pensam que a paixão é apenas um frio na barriga.

"Claro, acho que a paixão vem em duas partes: uma é que você está apaixonado e pode ter a capacidade de também estar cheia de inspiração, daí você tem uma habilidade, um presente de outro mundo, sabe? Alguém desce do céu e te dá esse presente. Mas a segunda parte é que você precisa ser firme com sua paixão, como em um casamento, e precisa trabalhar duro. Eu acho que existe essa ideia de que, com as redes sociais, qualquer coisa que você fizer, poderá ter sorte e se tornar famoso. Mas, na realidade, eu nem sei como ainda estou viva, como ainda estou aqui, mas tenho trabalhado tanto para chegar onde estou e faço os meus aquecimentos vocais, treino meu corpo para poder fazer meus shows, apesar de ter uma condição de dor crônica, porque não quero desistir. Então eu acho que é o que eu diria para alguém com grandes sonhos, que você tem que trabalhar para alcançá-los. E tudo bem, isso não significa que você não é incrível, apenas significa que conquistar as melhores coisas custa caro. Há uma música do AC/DC que diz: 'É um longo caminho até o topo, se você quiser o rock'. E você tem que estar disposto a percorrer".

Aceitação radical, eu adoro esse conceito. Explique-o super-rápido.

"A aceitação radical, como a aplico à minha vida e saúde mental, é que tenho que aceitar radicalmente que tenho problemas com minha saúde mental, tive que aceitar radicalmente que tenho dor crônica. Honestamente, na primeira vez que alguém me disse, foi como: 'Você está me dizendo que eu tenho que aceitar radicalmente que vou ter dor pelo resto da minha vida? Tá brincando, né? Você está louco?' Mas, uma vez que aceitei, foi tipo: 'Ok, posso viver com dor crônica, posso fazer isso?' E eu disse: 'Sim, eu posso'. Então todo dia eu digo: 'Sim, eu posso. Sim, eu posso. Sim, eu posso', e a dor fica cada vez menor. E às vezes fica pior, mas eu volto. Embora eu esteja muito melhor do que antes. Portanto, para qualquer pessoa que tenha problemas de saúde mental, dor crônica ou esteja passando por algo difícil, estou apenas dizendo para você acreditar em si mesmo, aceitar radicalmente que as coisas são do jeito que são, está tudo bem e tudo ficará bem. Mas tem que trabalhar para isso, também precisam aceitar que terão que trabalhar muito para superar o que estão vivendo".

E eu amo o fato de termos abordado esse tópico, porque ele se aplica perfeitamente ao que estamos vivenciando. Todo o novo, o desconhecido, a angústia do que pode vir, é algo que teremos que aceitar RADICALMENTE. Enfim, não vou me desviar sem me despedir de Lady Gaga…

"Te amo, te amo, te amo, Martha".

EU TE AMO! Obrigado, Lady Gaga!

"A rrrainha! Você é maravilhosa, e foi incrível. Volte para o México e diga-os que enviei os meus cumprimentos".

FIM

P.S.: No final, encontrei minha unha e, quando nos sentamos para conversar e filmar a entrevista, a unha estava presa corretamente no meu dedo mindinho. Eu não os deixaria sem saber. Tchau!

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Tradução por Gustavo C. B. Kolliner