Cada geração de artistas é única, ímpar e sempre antecedida por outra, tão grandiosa quanto. Em um momento, uma geração é a influenciada por sua antecessora; em um outro, é ela a base para uma outra e nova geração de astros. Esse ciclo de inspiração na música é normal, frequente e esperado, também ditando o que influenciará os artistas do presente. É assim com Lady Gaga.

Nessa série de especiais, serão discutidas quais são as grandes influências da cantora entre os artistas que tiveram seu auge no passado e seus porquês, expondo seus principais pontos de inspiração, semelhanças artísticas e comparações quanto às sonoridades e posturas enquanto influenciadores.

No quarto episódio, o RDT Lady Gaga traz a inigualável e revolucionária Madonna à análise, o pilar sólido e importante da música pop feminina.

Madonna é, indiscutivelmente, a maior artista pop viva. Todas as cantoras surgidas após os anos 1980 e que em algum momento de suas carreiras foram consideradas insubmissas, insolentes, poderosas, “fora da caixinha” ou irreverentes em suas sonoridades e no palco, tiveram Madonna como um símbolo, o “norte geográfico a ser seguido”.

Madonna é um dos grandes expoentes de um movimento já antigo de mulheres fortes e independentes que escreveram, evoluíram e quebraram paradigmas através de sua obra.

De acordo com a Billboard, Madonna é a artista solo de maior sucesso na história da Billboard Hot 100 (a segunda no geral, atrás dos The Beatles e seguida por Elton John), com 12 músicas #1 e 38 ocupando o top 10. Já tendo vendido mais de 300 milhões de discos em todo o mundo, é reconhecida como a artista feminina mais comercializada de todos os tempos. Sendo a artista solo de todos os tempos com a maior arrecadação com turnês mundiais, acumulando mais de um bilhão de dólares, Madonna foi introduzida ao Hall da Fama do Rock and Roll em 2008. A rede VH1 classificou a cantora como a maior entre as 100 maiores mulheres da música, enquanto a revista Rolling Stones a listou entre as 100 maiores artistas e uma das 100 maiores compositoras de todos os tempos.

Todos os grandes artistas possuem um legado - e com Madonna não é diferente. Símbolo de independência, desobediência e renovação, Madonna revolucionou o conceito de “diva” na música. Antes de Madonna Louise Veronica Ciccone, esse conceito era rótulo de grandes mulheres na música ligadas à ópera, ao teatro, ao cinema ou a estilos mais sofisticados de música, como Ella Fitzgerald, Greta Garbo, Audrey Hepburn ou Leontyne Price, por exemplo. Após a cantora, o conceito de “diva”, muito ligado à cultura pop, torna-se o que conhecemos atualmente, o do ícone quebrador de paradigmas, performático e símbolo de representatividade.

Muito dessa reflexão faz referência ao fato de Madonna ser uma gigante no quesito da representatividade sexual e feminista. Enquanto intérprete e celebridade, a artista foi capaz de sacudir a opinião pública e suscitar debates.

[...] a carreira que [Madonna] criou para si mesma tornou possível que todas as outras cantoras pop seguissem. Ela certamente elevou os padrões de todas elas. *[...] Ela redefiniu quais eram os parâmetros para artistas do gênero feminino" - Howard Kramer, diretor-curador do Hall da Fama do Rock and Roll.

Não causando admiração, a cantora atraiu condenações que duram até os dias de hoje, vindas de organizações religiosas e grupos sociais conservadores, principalmente pelo uso de imagens e letras sexualmente explícitas, simbolismo religioso em sua música e comportamento "irreverente" em suas apresentações ao vivo.

"[Madonna] iniciou uma revolução entre as mulheres na música. Suas atitudes e opiniões sobre sexo, nudez, estilo e sexualidade forçaram o público a se sentar e prestar atenção [nesses temas]" - revista Times.

Um grande ícone LGBTQ+, Madonna ao longo de toda sua carreira realizou vários trabalhos em apoio à comunidade e protagonizou diversas entrevistas e discursos a seu favor através de suas apresentações e videoclipes. “Express Yourself” (1989) e “Vogue” (1990), por exemplo, são duas das músicas da cantora reconhecidas como encorajadoras e inspiradoras de liberdade, tanto para as mulheres quanto para a comunidade LGBTQ+.

Em seu álbum Erotica (1992), por exemplo, assuntos como a AIDS e a homossexualidade são vastamente explorados (um dos motivos para que a obra não tivesse um grande desempenho comercial).

Com discursos e uma postura ativa, Lady Gaga também tem em sua bagagem, enquanto artista, um forte marco à representação feminina, sexual e de apoio a comunidade LGBTQ+, com seu repertório artístico e musical contando com canções próprias como “Scheiße”, “Dancin’ In Circles”, “Free Woman”, “Hair”, “Sexxx Dreams” e “Born This Way”.

Entretanto, não só nesse sentido artístico e de quebra de paradigmas Madonna e Lady Gaga são próximas, mas também por suas histórias desde a juventude. Enquanto Lady Gaga demorou para ser reconhecida como um prodígio musical e sofreu diversos abusos na adolescência, como o bullying, Madonna perdeu a mãe quando criança e já foi assediada sexualmente.

Desde jovem seu talento na dança foi reconhecido, tendo sido líder de torcida em sua época escolar e recebido uma bolsa de estudos em dança na Universidade de Michigan. Sua carreira no meio artístico começou ao trabalhar como dançarina substituta para outros artistas. Com o músico Dan Gilroy, com o qual se envolveu romanticamente, formou sua primeira banda de rock, a Breakfast Club, na qual a artista cantava, tocava guitarra e bateria.

Em 1980, Madonna deixou a Breakfast Club e, com seu então namorado Stephen Bray como baterista, formaram a banda Emmy. Não tendo demorado muito tempo, ambos se separaram do grupo e começaram a trabalhar em algumas faixas dance e disco. No início dos anos 1980, chegou até a Sire, um selo discográfico da Warner Bros, uma fita demo dessas faixas, que contratou Madonna em 1982.

Assim como Lady Gaga, Madonna foi um grande sucesso desde seu primeiro álbum de estúdio, Madonna (1983), que conta com os sucessos “Borderline”, “Lucky Star”, “Burning Up” e “Holiday”. E, desde seu início de carreira, foi também intitulada por muitos especialistas e críticos musicais como a “Rainha do Pop”. Alan McGee, do jornal britânico The Guardian, afirmou que Madonna e Michael Jackson foram os responsáveis pela invenção dos termos "Rainha e Rei do Pop".

Nesse sentido, há muito de Madonna em Lady Gaga. Além de instrumentista, a cantora é uma reconhecida compositora e produtora, tendo escrito e produzido a maior parte de sua própria discografia.

"Você não produz para Madonna, você colabora com ela. Ela é uma produtora muito boa e, obviamente, também é uma ótima escritora. Ela tem sua visão e sabe como te conquistar" - Stuart Price.

Dona de uma carreira longínqua, sua música desde muito tempo tem sido uma experimentação contínua com novas ideias e com a busca constante por novos patamares de fama e aclamação visual e lírica. Como compositora, ela registrou um total de 287 músicas na Sociedade Americana de Compositores, Autores e Editores (ASCAP), incluindo 18 canções de sua total autoria. Em 2015, a revista Rolling Stone incluiu Madonna entre os "100 Maiores Compositores de Todos os Tempos".

No quesito vocal, Madonna sempre foi autoconsciente quanto às suas habilidades, não sendo esse seu maior talento. Entretanto, a artista soube adaptar sua musicalidade à sua voz, utilizando-a, mesmo com seu jeito vocal “perfeito para músicas mais leves que o ar", como afirmou o escritor Marc Bego, para cantar músicas irônicas, agressivas e obscenas.

Como Lady Gaga, Madonna sempre foi influenciada por diversos gêneros musicais. A cantora, como a maioria dos artistas do início dos anos 1980, iniciou sua carreira no disco e no dance. Ao longo de sua carreira, enquanto que Gaga já experimentou do heavy metal, country e jazz, Madonna tem em sua discografia influências da música clássica, como se é perceptível em True Blue (1986), R&B, notado em Like A Prayer (1989), compôs diversas baladas e incorporou o dance-pop próximo do que viria a ser o pop nos anos 2000 em Erotica (1992) e Bedtime Stories (1994), respectivamente. Após seu auge, experimentou música eletrônica, acústica, folclórica, latinidades e techno, por exemplo.

Dona de uma videografia ímpar, o conceito artístico explorado por Madonna foi uma das grandes rotas seguidas por Lady Gaga em seu início de carreira. Polêmicas e comparações à parte, Madonna e Lady Gaga possuem um legado visual valioso. Inversão dos valores impostos pela sociedade, multiculturalismo e simbolismos católicos: Madonna tem sua videografia como um pilar fundamental de sua carreira enquanto uma artista quebradora de tabus e questionadora de costumes.

Sendo uma figura polarizadora e que divide opiniões, durante toda sua carreira, Madonna atraiu as atenções sociais e culturais para a luta anti-pornografia e confrontou grupos religiosos em todo o mundo com boicotes e protestos.

E, para além da estética e estilo, outras temáticas polêmicas muito conhecidas por Lady Gaga são aquelas que fazem referência ao religioso e ao hispânico. Músicas como “Alejandro”, “La Isla Bonita”, “Judas”, “Americano” e ”Like A Prayer” são trabalhos das duas cantoras globais dentro dessas esferas.

Polêmicas e versáteis, inclusive, são adjetivos muito representativos das duas artistas ao longo de suas carreiras. Violência, armas de fogo, direitos humanos, nudez, política, sexo, amor, religião, dinheiro, drogas, libertação e sexualidade sempre fizeram parte dos preceitos artísticos de Gaga e Madonna. Para além disso, muito mais do que exploradoras de estilos musicais, ambas já fizeram passagens pelo cinema estadunidense.

Recentemente, Lady Gaga estrelou o terceiro remake de “Nasce Uma Estrela”, foi vencedora de diversos prêmios, incluindo um Oscar e um Globo de Ouro, e foi responsável por uma das mais premiadas trilhas sonoras de todos os tempos, contando com os sucessos “Always Remember Us This Way” e ”Shallow”. Em 1985, Madonna fez sua primeira aparição em um filme com uma breve aparição cantando em Vision Quest, um filme de drama romântico.

Após seu primeiro trabalho nas telonas, atuou em outras obras cinematográficas, como Dick Tracy (1990), A League of Their Own (1992) e Evita (1996). Nesta última, a cantora venceu seu primeiro Globo de Ouro na categoria Melhor Atriz em Filme Musical ou Comédia. Seu segundo prêmio nessa mesma premiação veio em 2011, com a balada “Masterpiece” na categoria Melhor Canção Original.

Outro ponto em comum das cantoras dentre vários são suas ações filantrópicas. Lady Gaga fundou a Born This Way Foundation, Madonna as instituições Fundação Ray of Light e Raising Malawi, fundadas em 1998 e em 2006, respectivamente.

Como já se sabe, o legado e o impacto de Madonna na música é inegável. Os críticos creditaram a importância de seu sucesso e contribuições na influência de toda uma geração artística feminina, até os dias de hoje, mudando para sempre o cenário musical das mulheres na história da música, bem como das estrelas pop atuais.

O pop, inclusive, como um estilo pertence à música ocidental, deve sempre ser analisado em um recorte histórico e geográfico.

Madonna, ao lado de Michael Jackson sendo as grandes estrelas dos anos 1980, faz renascer o conceito primário do pop, de ser uma grande amostra da massificação da música, isto é, do consumo global de um gênero musical, objeto de consumo de todos os nichos e classes sociais. Com Madonna, o pop volta a ser pop, ou seja, volta a ser popular, um gênero consumido em massa, indo contra o modo especificado de consumo de música de nichos que tem seu auge na atualidade.

E, para além disso, a cantora aplica ao gênero preceitos primordiais que encontramos atualmente nas consideradas divas pop e na música de Lady Gaga: a insubmissão, a dominação, o atrevimento.

Entretanto, diferentemente de Michael Jackson, ao mesmo tempo que Madonna torna o pop novamente popular e globalmente consumido como nunca antes visto desde The Beatles, ela se torna o grande expoente de um movimento que coloca a música pop à favor das mulheres e da comunidade LGBTQ+, grupos sociais antes musicalmente representados principalmente pelo disco e pelas discotecas das grandes metrópoles; entretanto, não de maneira politizada nem que provocasse uma reflexão social - como se propõe Madonna.

Em suma, como toda grande estrela da música, Madonna, com sua música, vendeu, vende continuará vendendo direta ou indiretamente um estilo de vida. Madonna não fundou o pop, mas adicionou a ele um modo de agir e ser. Em seu início de carreira, fez de sua música uma das exceções no cenário musical da segunda metade do século XX. Nesse sentido, semelhante ao que Lady Gaga fez em seus primeiros trabalhos: uniu o potencial universal de sua música com seu talento e qualidade sonora.

Desde sua estreia, há 12 anos, Lady Gaga sempre afirmou abertamente sua admiração pela cantora. Madonna, ao lado de David Bowie, são os dois grandes pilares artísticos que influenciam a carreira de Lady Gaga. Tanto Gaga quanto Madonna são as artistas de impacto, da libertação e polarização.

Em 2010, todos sabiam quem era Lady Gaga. Em 1985, todos já tinham ouvido falar em Madonna. Felizes somos nós que, em pleno 2020, temos ainda duas das grandes artistas pop vivas e em atuação nos fazendo relembrar sempre o poder e o impacto atemporal da música.

PLAYLIST - LADY GAGA E SUAS INFLUÊNCIAS

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