Nesta quinta-feira, dia 17, uma entrevista exclusiva com Lady Gaga foi divulgada pela Billboard, além das fotos que a acompanham a edição deste mês da revista.

Na entrevista, a cantora fala sobre diversos assuntos, dentre eles: a vida pessoal e profissional com a pandemia, sua apresentação no VMA deste ano, depressão, terapia, entre outros.

Outras artistas também aparecem na entrevista, como Elton John e BLACKPINK, em breves trechos, e também BloodPop e BURNS, falando sobre os dias em estúdio, juntamente com Bobby Campbell, seu empresário, relembrando detalhes sobre o lançamento do álbum "Chromatica".

Leia a entrevista completa traduzida:

COMO LADY GAGA PASSOU POR UM ANO DIFERENTE DE QUALQUER OUTRO

Com hinos das pistas de dança de reviver a alma e uma organização insana de merchandising (as jockstraps!), LADY GAGA mostrou ao mundo como ser uma estrela pop em 2020

Lady Gaga gosta de brincar que ela tem estado em quarentena desde que tinha 21 anos — e assim como as melhores piadas, essa é divertida e triste e um pouco verdadeira demais.

Ela tinha essa idade em 2007; no ano seguinte, ela lançou seu álbum de estreia, "The Fame", e logo suas músicas sobre fingir uma entrada na vida fabulosa e o fascínio dos paparazzis se tornaram profecias de auto-realização. Sair de casa começou a ser tão divertido como se lançar ao sol. No início desse ano, enquanto o coronavírus começava a bagunçar o mundo, ela ficou com medo, mas curiosamente muito bem equipada para lidar com a vida em lockdown. Na segunda semana de março, ela decidiu se tornar uma mãe honoraria dos membros de sua equipe, e até esse ano provavelmente nunca havia imaginado ter medo de sair e estar ao redor de outros humanos.

Ela acolheu muitas pessoas em seu recinto em Hollywood Hills, principalmente as mulheres jovens de sua órbita do dia-a-dia, cuja situação de moradia superlotada a preocupou por achar que iria deixá-las mais vulneráveis ao COVID-19. Muitas outras pessoas de sua equipe — seu empresário, Bobby Campbell; seu esquadrão criativo, a "Haus Of Gaga"; sua marca de cosméticos, a "Haus Laboratories"; sua fundação sem fins lucrativos direcionada para a saúde mental, a "Born This Way Foundation" — ficaram espalhadas em lugares diferentes. Então, como milhões de americanos nesta primavera, Gaga entrou com sua força de trabalho remota e uma vida de reuniões em vídeo enquanto, fora das telas, ela e seus novos companheiros de casa criaram algo parecido com um recinto hippie saído direto dos anos 60.

"Alguém ia fazer compras no supermercado, o resto de nós limpava os vegetais, então alguém cozinhava", Gaga, de 34 anos, disse no Zoom em uma tarde de agosto, vestida em um glamour casual de sereia: cabelo azul-turquesa, unhas cor menta, um casaco esverdeado da sua própria linha de merchandising — até mesmo o cigarro CBD que ela estava fumando era verde. (Ela está um pouco dolorida da sua performance no MTV Video Music Awards, que passou no dia anterior). Quando não estavam trabalhando, Gaga e companhia passavam muito tempo rezando, jogando jogos de tabuleiro e conversando muito sobre o estado do mundo e todas as coisas que desejavam. "Eu gerencio minha equipe como uma família", ela diz. "Não gerencio como funcionários".

Esse tipo de convivência comunitária provavelmente não era o que ela imaginava quando, em fevereiro, tuitou: “A Terra está cancelada”, como uma forma de fazer uma brincadeira sobre seu sexto álbum de estúdio, "Chromatica", nomeado em homenagem ao planeta cyberpunk onde a gentileza e a igualdade triunfam. (“Não é falso!” ela diz, apontando um dedo para sua webcam. “É real! Está na minha cabeça!") Mas com crise vem um tipo de clareza, e Gaga sabia o que tinha que fazer. Ela adiou a data de lançamento original de 10 de abril do "Chromatica" — os fãs esperaram sete anos para o seu retorno ao dance-pop que a deixou famosa, então podiam esperar um pouquinho mais. Ela também começou a organizar um especial na TV de 16 horas, o "Global Citizen’s One World: Together at Home" para apoiar a Organização Mundial da Saúde, conversando com produtores e recrutando amigos famosos para fazer performances. Em conversa, Gaga é aberta e descontraída, mas ela tem momentos repentinos de seriedade, particularmente quando está discutindo a pandemia em curso. "É muito errado nós falarmos: 'É incômodo [usar a máscara] porque não consigo respirar'", ela diz. "Me dá um tempo. Mostre respeito para as pessoas que estão lá para nós quando discamos 911".

Se há uma estrela pop para nos guiar por esse momento é Lady Gaga, que, com sua predileção por declarações e o vocabulário de autoajuda, irradia a energia do seu tio que está treinando para ser um life coach. (“A vida é uma série de habilidades, comportamentos e emoções combinadas com pensamentos", ela diz em um momento, alongando seus braços além das barreiras da tela). Durante o surreal Video Music Awards deste ano, remendado via tela verde e apresentações pré-gravadas, Gaga apresentou um medley de nove minutos que, apesar de envolver o que parecia ser um equipamento de S&M alienígena e um piano moldado como um cérebro humano, ainda pareceu o momento mais normal da cultura pop em meses. "Aquele foi o exemplo perfeito de como queríamos executar arte durante a pandemia, que é: Vamos fazer arte que, daqui 10 anos, você até mesmo esquecerá que aconteceu durante uma pandemia, exceto pelo fato de que ela está usando máscara", diz Campbell. "E mesmo assim, é a Gaga. Ela tem usado máscaras sua carreira inteira".

"Chromatica" é o álbum dela mais aclamado criticamente em anos, um material livre de baladas e cheio de história da dance-music que abrange batidas house, drama do Studio 54 e techno dos anos 90, com quebras exageradas entregues em sotaques inclassificáveis. Mas essas músicas não são escapismo puro: com sua mensagem de resiliência na cara dos golpes impiedosos, o dueto com Ariana Grande de "Rain On Me" se tornou a música tema de um ano que viu uma pandemia mortal, casos horríveis de brutalidade policial, a erosão da democracia, novas evidências de desastres climáticos eminentes e a chegada nos EUA de algo chamado de vespas assassinas. "Uma das muitas coisas que eu sempre admirei foi a habilidade dela de injetar humanidade emotiva na dance-music", diz o amigo e colaborador Elton John, que participa da hipnotizante “Sine From Above”. “Você consegue sentir a liberdade em abrir sua alma tão triunfalmente em cada faixa".

Isso tudo está destinado a ser refletido no Grammy de 2021, no qual "Chromatica" e "Rain On Me" provavelmente receberão indicações nas quatro maiores categorias. Gaga tem 11 Grammys, apesar de nunca ter vencido as categorias de música e álbum do ano. Desde seu último álbum dance-pop, o polêmico "ARTPOP" de 2013, o gênero decaiu em popularidade, com muitas de suas estrelas mais brilhantes adotando sons mais melancólicos e calmos à medida que o streaming abria as portas para que o hip hop dominasse os charts. Naquela época, Gaga resistiu à mudança da maré da cultura pop ao alcançar uma rara ubiquidade: ter o "Cheek To Cheek" de 2014, um álbum jazz que ela gravou com Tony Bennett que a tornou o tipo de diva que até mesmo sua avó poderia amar; "Joanne" de 2016, um desvio para o country-rock que ela disse que selou o acordo para sua performance do show de intervalo do Super Bowl de 2017; e o filme de 2018, "Nasce Uma Estrela", uma vitrine reveladora das suas habilidades de atuação, que rendeu uma vitória no Oscar e o topo da Billboard Hot 100 no dueto com Bradley Cooper, “Shallow”. (A trilha sonora do filme já arrecadou 2,7 milhões em vendas de unidades nos Estados Unidos, de acordo com a Nielsen Music/MRC Data).

Agora, enquanto o dance-pop faz um retorno gradual aos charts — com os revivals disco de Dua Lipa, Doja Cat e o synth-pop urgente de "Blinding Lights" do The Weeknd — Gaga continua sendo um dos talentos mais rentáveis e influentes. "Chromatica" estreou em #1 na Billboard 200 com 274,000 unidades vendidas na primeira semana, ficou em sétimo lugar em vendas este ano até então. Isso inclui 87.16 milhões de streams — na época foi a maior semana de streaming de um álbum diferente do R&B, rap ou latino em 2020. 

Com sua moda camaleônica, vídeos artisticamente estranhos e ganchos transcendentes, Gaga tem quase que literalmente criado um padrão para a próxima geração de super estrelas globais. As integrantes do BLACKPINK, o grupo feminino de K-pop que ela recrutou para "Sour Candy", de "Chromatica", relembram ter feito o cover de músicas como "Poker Face" e "Yoü and I" (dois dos 17 hits de Gaga no top 10 da Hot 100) durante o tempo delas como trainees de estrela pop em Seoul.

"Eu lembro que costumávamos dizer umas para as outras: 'Vamos fazer esse tipo de música algum dia", conta Jisoo integrante do grupo para a Billboard. A colega de grupo Jennie disse que ela "não consegue esquecer a sensação" de assistir o vídeo de "Telephone" de Gaga, um assassinato épico de 10 minutos com a participação de Beyoncé, pela primeira vez quando era adolescente — e você pode ver aquela estética maximalista reverberando hoje no K-pop e além.

Como os espetáculos pop serão em 2020 ainda é um ponto de interrogação, já que a COVID-19 e o acerto de contas da nação com o racismo sistêmico, provocado por mais assassinatos de americanos negros cometidos por policiais esse ano, não oferecem respostas fáceis para como os artistas devem usar suas plataformas. Mas se há uma forma de ajudar, Gaga está apta para o trabalho. Para fazer o "Chromatica", ela teve que se retirar de um dos lugares mais escuros que ela já esteve, e ela tem uma mensagem familiar para qualquer um tentando fazer o mesmo: Apenas dance — vai ficar tudo bem. "Quando eu vejo as pessoas lutando como estão agora", ela diz, "Meu cérebro fica tipo: 'Coloque sua roupa de super-heroína. Vamos lá'".

Antes de conseguir chegar ao planeta "Chromatica", Lady Gaga teve que sair de sua varanda

Depois de sua "Joanne World Tour", “Eu costumava acordar todos os dias e lembrar que sou Lady Gaga — e então eu ficava deprimida", ela diz. Ela estava com medo de sair de casa. A ideia de cada movimento seu estar disponível para consumo público a enchia de extremo terror. Gaga era, claro, famosa há algum tempo, mas ela nunca tinha lidado de verdade com esses sentimentos. "Eu estava descascando todas as camadas de cebola na terapia", ela diz, "Então, à medida que você vai indo para as camadas mais profundas, você se aproxima do núcleo, e o núcleo da cebola cheira mal".

Em vez de trabalhar esse desconforto, ela resistiu. Ela passou horas na varanda fumando e chorando, se perguntando porque ela não vira a chave de dentro dela. Ela estava bebendo muito também: o refrão de "Rain On Me", "Eu preferia estar seca, mas pelo menos estou viva", como ela havia dito, é também sobre usar o álcool para se anestesiar. "Minha existência por si só era uma ameaça para mim", ela explica. "Eu pensei sobre merdas realmente pesadas todos os dias".

Quando as pessoas ao seu redor tentavam ajudar — sugerindo uma mudança de cenário ou algum autocuidado — ela frequentemente jogava a cartada de Lady Gaga: "É uma que ela fala: 'Eu sou Lady Gaga, você não entende como é, eu quero me vestir do meu jeito e ser quem eu sou sem as pessoas perceberem. Por que todo mundo tem que perceber? Estou tão triste, mas nem sei mais o motivo. Por que vocês estão me fazendo falar sobre isso?'" (Ela não faz isso mais: "Eu parei com isso na terapia").

O produtor BloodPop (Justin Bieber, Madonna), que Gaga teve a oportunidade de conhecer enquanto trabalhavam em "Joanne", também estava indo na casa dela e tentando ajudá-la como podia: ao convencê-la a fazer música em seu estúdio no térreo. "Estávamos tipo: 'Se sentir criativa sempre a deixa feliz, então vamos colocar um pouco de tempo no estúdio no seu calendário'", diz Campbell. Gaga nem sempre estava com vontade. Ela e BloodPop frequentemente passavam as primeiras horas juntos falando sobre o que ela estava sentindo. Quando ela finalmente foi para o estúdio, o material começou a aparecer rapidamente e vinha diretamente da conversa dos dois; como resultado, as músicas são mais diretas emocionalmente do que praticamente qualquer coisa no catálogo dela — capturas de uma estrela pop avançando pela fumaça. Mesmo nos seus piores momentos, diz Gaga, "Sou feroz quando quero escrever uma música pop".

Muitas músicas começaram como simples faixas de piano. Para desenvolvê-las, BloodPop levou um pequeno grupo de colaboradores, incluindo o produtor francês Tchami (que havia trabalhado em algumas músicas do "ARTPOP") e BURNS (Britney Spears, Ellie Goulding), nascido no Reino Unido, que estava inspirado pela tristeza crua das demos para reimaginá-las como hinos dance estrondosos. "É o chorar-na-balada — são sempre as músicas dance emotivas que mais se conectam com as pessoas", diz BURNS. Diferente de como a maioria dos álbuns pop se formam, a equipe trabalhou de forma extremamente colaborativa, passando as faixas para frente e para trás e compartilhando os créditos de produção enquanto tentavam encontrar um som que não era retrô demais nem tendência demais. "Rain On Me" passou por seis basslines diferentes antes de BURNS conseguir decifrar o código ao interpolar uma música de 1979, de Gwen McCrae; eles também usaram um sintetizador vintage Korg M1 para capturar o som plástico de piano das músicas house dos anos 90. "Parecia quase como se fosse um acampamento de verão", diz BloodPop do ajuste de palco. "Tínhamos Nintendo 64 em todos os lugares".

Toda vez que Gaga escrevia uma música, ela tinha um vislumbre da antiga Gaga. "Eu chorava e falava: 'Aí está — oi! Como você está? Por que você tem que se esconder?", ela relembra. Em alguns momentos, parecia que ela estava tentando invocar aquela versão da Gaga diretamente através da composição. "Ela assume esses espíritos em quase todos os álbuns, e é muito claro na música", diz BloodPop, adicionando que os vocais gagos e o "ooh la la" de "Plastic Doll" foram um retorno intencional a músicas como "Bad Romance". Durante as gravações, BloodPop colocou trabalhos artísticos pelo estúdio — pôsters de boates de Nova Iorque dos anos 80, imagens sci-fi como aquela de Alien de H.R. Giger — na esperança de inspirá-la. Se ele conseguisse fazê-la levantar e dançar até o fim da noite, então havia sido um ótimo dia. 

De pouquinho em pouquinho, ela encontrou o caminho de volta. "Se há um brilho dentro de você, celebre-o", diz Gaga. "Quando você encontrar mais outro brilho, celebre. Encontrou mais um? Ligue para um amigo: 'Eu fiz isso hoje. Estou vencendo'".

Bobby Campbell relembra o momento em que ele percebeu que o lançamento do "Chromatica" não iria acontecer como planejado.

Era 11 de março, o dia em que Gaga filmou um monte de entrevistas com jornalistas internacionais - e também foi o dia em que Donald Trump anunciou restrições generalizadas aos viajantes vindos da Europa. Bobby Campbell, com 35 anos, não estranha o caos: ele começou a cuidar da carreira de Gaga em 2013, logo após a separação dela com seu ex-empresário, Troy Carter, e poucos dias antes dela lançar o "ARTPOP". Mas essa situação era outra coisa. Ele passou cerca de 18 meses montando uma campanha de gestão que o presidente e CEO da Interscope Records, John Janick, chama de "Um dos melhores planejamentos de lançamento de um álbum de todos os tempos"; então, Campbell lembra: "Todas essas coisas [que havíamos pensado] estavam apenas evaporando diante dos nossos olhos".

Não iria acontecer mais a performance no iHeartRadio Music Awards, não iria acontecer a surpresa no Coachella. Os planos para gravar mais videoclipes tiveram que esperar, e algumas campanhas publicitárias para marcas foram adiadas. A equipe transformou o espaço do outdoor destinado a anunciar o álbum em mensagens de agradecimento para trabalhadores de serviços essenciais. "Era para que parecesse como um grande filme de sucesso sendo lançado", diz Bobby. Soltar um álbum na internet, no estilo de um lançamento surpresa, nunca atraiu de fato um artista como Gaga, que sempre pareceu valorizar o alcance acima de tudo: "Born This Way", de 2011, vendeu mais de um milhão de cópias em sua primeira semana, graças, em parte, a uma promoção da Amazon que oferecia downloads de álbum digital por 99 centavos, que a Billboard estimou corresponder a 440.000 álbuns vendidos. "[Nossa abordagem] é mais convencional e tradicional, mas ainda a consideramos eficaz", diz Campbell.

Elaborar um Plano B revelou-se um desafio multifacetado. A segurança era a principal prioridade - a equipe contratou os seus próprios oficiais agentes de checagem de COVID-19, para supervisionar os esforços - mas também havia uma dúvida do que parecia ser mais certo para Gaga e sua música. "Um álbum como o 'Chromatica' [não deveria] ser promovido por ela apenas sentada atrás de um piano, através do Zoom, em sua casa", diz Campbell, rindo. Gaga esperava fazer uma longa lista de apresentações ao vivo das músicas do "Chromatica" em maio, mas uma vez que os sindicatos proibiram as equipes de produção de trabalhar, eles não conseguiram encontrar uma maneira de fazer isso. Em julho, Gaga e Ariana Grande planejaram uma apresentação surpresa de "Rain On Me", durante um show de Drag Queens, em formato drive-through, em Los Angeles, mas a apresentação foi cancelada após o não cumprimento do distanciamento social em um show do Chainsmokers, em Hamptons, Nova Iorque, alguns dias antes da apresentação delas, levantando preocupações. Como diz Campbell: "O Plano B, virou um Plano C e depois um Plano D".

Pelo menos uma coisa lançada conforme o planejado: a loja de merchandise. Os pacotes com produtos e álbuns integram grande parte de muitas campanhas promocionais dos álbuns de sucesso em 2020, e certamente ajudaram o "Chromatica": 75% do total de vendas unitárias da primeira semana, foi em compras de álbuns, que incluíram não apenas os pacotes + álbuns vendidos através do site de Gaga, mas também os álbuns + ingressos da turnê (o seu show "Chromatica Ball" em estádios, agora adiados), vendas no varejo tradicionais e downloads digitais. (A Interscope não forneceu uma análise mais detalhada ou quaisquer números de vendas relacionados a produtos). Mas as coisas não foram simplesmente um logo colocado em uma camisa: Gaga e sua equipe de diretores de arte criaram botas de chuva, guarda-chuvas, travesseiros, calcinhas, jockstraps, cobertores, sabonetes, máscaras faciais e gargantilhas; tudo em um esforço para fazer itens de moda, e de marca, que seus fãs realmente fossem gostar - e também se deleitar com a ação: "Foram bem aqueles momentos divertidos de brincar com o absurdo, com as coisas que estávamos fazendo", diz Campbell.

Quando o "Chromatica" foi finalmente lançado em 29 de maio, o momento pareceu um súbito: Dois meses depois de uma vida em isolamento em casa, canções como "Rain On Me" chegaram com tudo. No início daquela semana, porém, a polícia de Minneapolis assassinou George Floyd e, naquele fim de semana, protestos contra a brutalidade policial estavam ocorrendo em todo o país. Celebrar a extravagância da música pop, de repente, não parecia mais tão apropriado, então Gaga cancelou uma *Listening Party que faria no Twitter, programada para o dia do lançamento. "É necessário a nossa bondade para com o mundo agora", escreveu ela.

Não existe um livro de regras amplamente aceito sobre o papel que os artistas, especialmente as mulheres brancas muito famosas, devem desempenhar nas conversas sobre racismo sistêmico. Nos últimos meses, as ações de Gaga incluem emprestar o seu Instagram para diferentes organizações sem fins lucrativos de justiça racial para as quais ela doou; além de um discurso que ela gravou para o evento cerimonial, de forma virtual, o "Dear Class de 2020", no qual, nas filmagens, abordou novamente os protestos. Ela ainda escreveu alguns de mini-ensaios nas redes sociais que condenavam a violência racista e se dirigindo a Trump por "alimentar um sistema que já está enraizado no racismo". Mas não é difícil encontrar fãs de pop que foram às redes sociais fazer cobranças a ela, desejando que ela falasse mais.

Agora, ela busca ouvir mais antes de falar, ao mesmo tempo que tenta ser clara sobre em seus posicionamentos. "Quando se nasce neste país, todos nós bebemos o veneno que é a supremacia branca", diz ela. "Estou no processo de aprender e desaprender coisas que me ensinaram durante toda a minha vida". É um processo que ela acha que ocorre com o tempo e com cuidado. "Justiça social não são apenas estudos, é um estilo de vida", ela continua. "O que eu penso sobre [postar] um quadrado preto? Acho que todo mundo tem um sentimento diferente sobre o que um quadrado preto representa. Se eu acho que exista ativismo performativo? Sim. Se eu penso que tem acontecido um verdadeiro ativismo que está sendo muito importante e necessário? Sim. Se eu acredito que a vida dos negros importam? Sim. Se eu acredito que essa questão ficará mais em evidência? Sim. Se eu acredito que deva ficar [mais em evidência]? Sim".

Ela gostaria de trazer algumas dessas conversas para sua arte. A música house foi iniciada por pessoas negras da comunidade queer, e Gaga e seus colaboradores tentaram mostrar essa história: À frente de "Chromatica", BloodPop e BURNS criaram uma playlist chamada "Welcome To Chromatica" de músicas que inspiraram o som do álbum, incluindo faixas feitas por inovadores queer da house, como Frankie Knuckles. Ela também encomendou, recentemente, um remix da faixa "Free Woman", do "Chromatica", a produtora e ativista trans Honey Dijon. "Toda a música vem da Música Negra", diz Gaga. "Isso é apenas um fato".

Ela pensa que essas discussões também impactarão em seu show ao vivo; ela prefere pensar que sempre impactou. A forma que isso acontecerá, Gaga não sabe ainda. Ela desconfia de gestos vazios para sinalização de virtude - "Eu chamo essas pessoas de 'Lindseys': as garotas que protestam e então começam a tirar foto de si e postar num tom de 'Olhe para mim, estou protestando!'" - entretanto, ela busca tornar os seus valores ainda mais claros: "Se eu falaria que vou fazer isso para tornar meu concerto mais relevante? Absolutamente não. Eu faria isso para tornar meu show correto. Eu faria isso para tornar meu show bom".

Gaga ainda não começou a planejar a "Chromatica Ball". Se 2020 lhe ensinou alguma coisa, foi não dar um passo à frente de si mesma. "Estou aprendendo muito hoje e espero o dia em que alguém me dirá que poderemos efetivamente respeitar o distanciamento social em um estádio", diz ela, entrando em uma lenta e calma entrega de um monólogo estilo Mister Rogers. "Quando esse dia chegar, vou criar um concerto feito sob medida, com bondade. Já passei por isso o suficiente para te dizer que, embora não possamos estar no palco agora, eu sei que iremos poder. É doloroso, difícil e assustador, mas prometo que não ficaremos separados por mais de dois metros para sempre".

No início de junho, "Rain On Me" estreou no topo da Billboard Hot 100 e se tornou o quinto single nº 1 de Gaga.

Ela gravou seu primeiro single, "Just Dance", há mais de 11 anos. Esse tipo de longevidade nas paradas musicais é raro para as mulheres da música pop, que enfrentam um conjunto de expectativas, talvez melhor resumidas por Taylor Swift, em seu documentário da Netflix, "Miss Americana". "As artistas femininas que conheço se reinventaram 20 vezes mais do que os artistas masculinos - nós precisamos fazer isso ou então perderemos nosso emprego", diz Taylor. "É sempre um discurso de 'seja nova para nós, permaneça jovem para nós, mas apenas da maneira que nós desejamos. E se reinvente, mas apenas de um jeito que julgamos ser mais agradável, mas que também seja um desafio para você'".

Talvez o que tenha servido bem a Gaga, é o fato de que ela nunca se preocupou de fato em se adaptar às formas impostas. Ela sempre entregou versões mais completas e extremas de si mesma, mesmo correndo o risco de confundir o público. Ainda assim, Janick da Interscope diz que isso funciona à longo prazo: não se atinge um grande recomeço em "Cheek To Cheek" sem primeiro passar pelos sons abrasivos e exagerados de "ARTPOP". E sem o "Cheek To Cheek", provavelmente não existiria "Nasce Uma Estrela". (Bradley Cooper procurou Gaga para o papel de Ally depois de vê-la interpretar "La Vie En Rose" em um evento para arrecadação de fundos). "É quase como se ela tivesse pensado sobre tudo isso uma década à frente", diz Janick. "Parece que tudo foi planejado".

A própria Gaga diz que estar em sintonia com as expectativas do público envolve muitas suposições. "Não tenho ideia do que as pessoas pensam ou deixam de pensar", diz ela, rindo. "Eu realmente não tenho uma noção perfeita de como as pessoas me veem". Como ela saberá se está dando ao público o que desejam? Como sabem o que querem? (Ela joga a ideia de que "Joanne", com seus arranjos acústicos e letras sobre família, é mais "normal" do que "Chromatica": "O que há de excêntrico em usar um chapéu rosa, cantar com sotaque country e se chamar de outro nome?"). "Se você é uma artista", ela diz, "Se há algo que você precisa compartilhar, e você nem sabe o porquê... Mas você nasceu assim, é nisso que você deve se concentrar. Porque essa sensação não deve ser errada".

Ela coloca as mãos na cabeça, os dedos entrelaçados, e fica em silêncio por um momento. "Eu não consigo te dizer o quão confortante a Fiona Apple tem sido durante esse tempo", ela continua. O mais recente álbum de Fiona Apple, "Fetch The Bolt Cutters", tem sido a trilha sonora constante de Gaga - quando ela está cozinhando, quando está sozinha - e tem fornecido a ela outro tipo de bússola artística. Ela ficou emocionada com a sensação de que não há distâncias entre a música e a vida de Fiona Apple. "Eu simplesmente me deliciei com a maneira como aquela garota é tão ela mesma", diz ela. "Se existe alguém dizendo que uma pessoa é mais relevante do que a Fiona Apple agora, só porque essa pessoa têm mais seguidores no Instagram, eu não tenho o número de telefone dessa pessoa salvo". Ela começa a passar os dedos na palma da mão, simbolizando uma chuva de dólares invisíveis. "Tem haver com isso? Isso é a cultura".

Gaga passa boa parte da nossa entrevista fazendo isso: tentando definir seu sistema de valores e, aparentemente, provar - para quem, exatamente, não está claro - que é uma artista de boa fé. Ela descreve sua jornada durante a carreira com o lado mais sombrio da fama como algo que Deus talvez lhe atribuído: "Talvez acontecerá comigo como foi com Picasso e Matisse: a dualidade de Lady e Gaga, indo e voltando por décadas enquanto exploramos o cubismo, ou seja, música pop eletrônica, em muitas formas diferentes - e às vezes jazz". (Ela diz isso com calma e doçura, e no momento não parece nada pretensiosa). Ela menciona várias vezes que o Instagram é uma fantasia na qual você não pode se deixar levar; como quando ela estava começando a cair nessa ilusão, logo apressou para estar em lugares, shows, com pessoas reais, não curtidas. (Sobre o tópico vaidade do Instagram: "Tudo bem postar selfies - é divertido, eu também faço - mas certifique-se de que não seja a torta inteira. Você tem que deixar muito mais da pizza em aberto para toda essa bela cultura").

Em certo momento, Gaga passa cerca de dois minutos recitando e anotando a letra de "911", uma música do "Chromatica" sobre suas medicações antipsicóticas, como se ela estivesse preocupada que eu não estivesse apreciando a música o suficiente. Ela pontua cada linha com uma pequena coreografia manual: girando os dedos indicadores ao redor da cabeça, empurrando um campo de força invisível. "Quer dizer, isso é a poesia!" ela diz, sorrindo. "Isso não é, tipo: 'Estou na balada, tem muitas garrafas / vou pegar mais, depois tragam as modelos'".

Seguir suas fixações nem sempre é divertido. Pode ser pesado, até mesmo doloroso, diz ela. Mas o que melhor põe a prova a sua arte, sua humanidade, do que algo que ela se sente tão compelida a retirar de seu sistema? Ela joga as mãos em êxtase. "Que privilégio!" ela diz. "Esse de ser um artista de nível mundial em 2020. Que ano para um coração que sangra!".

Gaga gravou um vídeo para "911" em agosto e diz que se sentiu muito viva ao fazer isso, talvez mais viva do que em qualquer outro momento durante a produção do "Chromatica". É uma música sobre quando seu cérebro e seu corpo se sentem em guerra um com o outro, e as filmagens exigiram que ela revisitasse o tipo de buraco negro em que se encontrava quando compôs a canção. Mas ela não caiu; ela se livrou dessa sensação e voltou ao trabalho - voltou a puxar aquele fio o mais longe que pudesse. "Para mim, liberdade é quando posso ir até a parte mais escura do meu coração, visitar coisas que são difíceis e depois deixá-las para trás", diz ela antes de se despedir. "Entregue [as músicas] ao mundo e deixe toda a dor se transformar em uma poça de ouro".

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Fonte

Tradução por Vanessa Braz de Queiroz e Gustavo C. B. Kolliner

Imagem / Divulgação: Billboard