Em comemoração aos 10 anos de lançamento do "Born This Way", o terceiro álbum de estúdio de Lady Gaga recebeu uma edição especial, lançada na última sexta-feira (25), contendo 6 faixas regravadas por artistas e apoiadores da comunidade LGBTQIA+, como a rapper Big Freedia, Kylie Minogue e Olly Alexander, entre outros.

O renomado portal britânico Pitchfork, conhecido por ser bastante crítico em suas análises de álbuns, divulgou, na madrugada desta sexta-feira (02), sua opinião sobre a nova edição de "Born This Way". Perpassando por cada uma das canções, assim como as regravações, o portal reforça o porquê do álbum ser um dos melhores da década.

Leia abaixo a tradução:

"Born This Way the Tenth Anniversary"

Uma década atrás, Lady Gaga criou um enorme flex bravio de pop eletrônico. Uma edição de aniversário chega com seis versões “reimaginadas” de suas músicas por artistas LGBTQ+ e aliados da comunidade.

Lady Gaga estava envolta em carne crua quando anunciou o seu terceiro álbum no MTV VMA's de 2010. O vestido de carne era apenas um aquecimento. Born This Way, lançado originalmente em maio de 2011, é um flex bravio de pop eletrônico tão grandioso como uma pintura de [Hieronymus] Bosch, que se lança entre os riffs de rock glam metal, baixos sem contaminação e sintetizadores que crepitam como carvão em brasa. Em seu melhor álbum do começo ao fim, Gaga projeta cada gancho esmagador com toda a fibra de seu peito, com dor pessoal transformada em manifestos prontos para os cartazes. Ela canta como se estivesse fazendo um pacto de sangue.

E de certa maneira, ela estava. No Born This Way, Gaga, que é bissexual, fez do pop o seu púlpito e se comprometeu com sua luta por direitos LGBTQ+ com sua fã base jovem e queer. Em fevereiro de 2011, a brilhante e impetuosa faixa título do álbum se tornou o primeiro hit Nº 1 nos EUA a diretamente referenciar à comunidade trans, com as letras, “Não importa se gay, hétero ou bi / Lésbica, ou transgênero / Estou no caminho certo, baby / Eu nasci para sobreviver.”

Como se para reforçar que essas músicas são para todos, Gaga marca os agora 10 anos de Born This Way com seis versões “reimaginadas” de suas músicas por artistas LGBTQ+ e aliados da comunidade. Funciona melhor quando eles escaldam a terra em chamas. Big Freedia, que iria fazer parte do álbum em 2011, transforma “Judas” em um exuberante bounce de Nova Orleans com tambores de marcha militar, um saxofone guinchante e um coral gospel; “Highway Unicorn (Road To Love)” das The Highwomen é um convidativo folk-rock que poderia ser um tesouro do começo da carreira de Heart. Os covers fiéis ao original de Years & Years, Orville Peck, e Kylie Minogue são menos distintos; o mais imperdoável é a visão piegas de Ben Platt sobre “Yoü And I”, que já possui dois magníficos, e bem diferentes, remixes por Mark Taylor e Metronomy.

Uma década atrás, Born This Way foi, na maior parte, coproduzido por Gaga e RedOne, DJ White Shadow, e o seu, na época, diretor musical [Fernando] Gaibay. Os “Banditos”, como Gaga chamou o time, fizeram o álbum durante 18 meses em sua turnê de 2009-2011. Eles trabalharam em torno de seu cronograma errático – Gaga afirmou que praticamente não dormia, sobrevivendo a partir de “música e café” –, instalaram laptops nos bastidores e improvisaram uma cabine vocal no ônibus de sua turnê. Gravar enquanto está na estrada não é incomum para uma popstar ocupada – Rihanna gravou seu Talk That Talk de 2011 de uma maneira semelhante – mas, o tempo apertado destila a energia cinética da vida monumental de Gaga direto para a música. Se soa como se ela estivesse cantando cada frase com um ponto de exclamação, bem, é possível, pois ela devia sair correndo para o palco em 10 minutos. Havia também uma razão prática para a urgência: Por incrível que pareça, mesmo com o sucesso comercial de The Fame e seu irmãozinho, o EP The Fame Monster, sua Monster Ball Tour a colocou numa dívida de três milhões de dólares, e ela precisava do próximo álbum para poder voltar a estrada e sair do vermelho.

Ela chamou o álbum de “Uma colossal peça de teatro musical”. Ele foi criado para ser performado num palco montado como um castelo na Transilvânia, atado com agradáveis e exagerados floreios góticos: cantos Gregorianos em “Bloody Mary”, órgão ecoante em “Highway Unicorn”. Criado dentro de arenas, para as arenas, as ambições do tamanho do Vaticano de Born This Way imbuem o álbum com um senso de escala holística. Com a exceção do Reputation, de Taylor Swift, a música pop mainstream não soa tão grandiosa desde lá. Ele, além disso, definiu o padrão para o excesso de promoção na era do iTunes, com façanhas que depositaram um cobertor de seda de aranha por toda a cultura pop. Gaga chegou ao Grammy dentro de um ovo, usou próteses de chifres, e fez parceria com corporações como Google, Starbucks, e Zynga, a companhia de tecnologia que ofereceu prévias do álbum e ovelhas motoqueiras em seu popular app, FarmVille.

Lady Gaga frequentemente soa como se tivesse testemunhado as profundezas do inferno e tivesse voltado para contar a história (“Eu tenho assado bolos por três anos, e agora eu irei assar um bolo que tem um recheio amargo”, ela disse sobre sua evolução musical). “Government Hooker” é uma sarcástica e tempestuosa canção dançante que nos trás calafrios poderosos, com o techno do tamanho de um hangar de aeronaves de DJ White Shadow, apontando suas polêmicas para a rave. Entre o pop industrial hermético de “Scheiβe”, o melhor não-single da carreira de Gaga, ela repreende toda a merda estúpida que a perseguia – o sexismo, a transfobia – com um gancho monstruoso cantando em pseudo-Alemão e sintetizadores vulcanizados que guincham como uma partida de Fórmula 1. Mensagens causticas fazem com que os momentos triunfantes de Born This Way sejam sedutoramente doces. A faixa final que faz qualquer um querer a socar o ar, “The Edge Of Glory”, ascende com autoconfiança, enquanto as repetições de Gaga “Eu estou à beira / À beira / À beira” criam impulso como um atleta girando num lançamento de martelo.

Ela transita estilos vocais assim como troca de chapéus do tamanho de discos de satélite. No disco-pop sujo de “Heavy Metal Lover”, ela murmura coquetemente antes de inverter para um camp auto-tunado “Pônei sujo, não posso esperar para te por mangueira abaixo”, ela rosna. A radiantemente blasfêmia, “Judas” é uma chicotada pop-house com o drama da lei mosaica. Você pode ter certeza que algum bar gay, em algum lugar do mundo, está tocando-a agora, com ou sem o vídeo estrelando Norman Reedus como o desprezível interesse amoroso mais velho. “Meretriz, prostituta, vadia, vomita sua mente”, ela canta, como se estivesse apanhando dardos com seus dentes e os cuspindo de volta.

Lady Gaga descreveu a faixa título do Born This Way como uma “Canção mágica com uma mensagem” para uma era que bania o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e, ela escreveu recentemente em seu Instagram, que foi inspirada pelo fabuloso cover de um clássico da liberação gay “I Was Born This Way”, pelo artista de música disco, Carl Bean. De todo o álbum, é a canção que menos envelheceu bem, tanto por sua mensagem essencialista e por seu electropop datado. Como Owen Pallett reconheceu no artigo de 2014 para a Slate, a composição em clave maior foi um desvio da “sexy e sinistra” composição em clave-menor dos maiores hits de Gaga. Num esforço para alcançar a todos, ela quebrou a sua própria fórmula vitoriosa. Em 2011, a nada sutil “Born This Way” pode ter sido o que o mundo precisava, e ela é intensamente significativa para muitas pessoas queer – incluindo a própria Gaga, que tem a frase tatuada em sua coxa esquerda. Mesmo assim, ainda gostaríamos que uma canção melhor tivesse se tornado a trilha sonora oficial da luta pelos direitos LGBTQ+ na era de Obama. Após dez anos, ela é um elo fraco num álbum que tem tanto mais a dizer sobre liberdade e autonomia, e, em todos os outros lugares, abraça ser um excluído enquanto pausa para questionar as normas sociais que empurram alguns de nós para a margem.

Hoje em dia, é legal para popstars bancarem o vilão ou o ex vingativo. Mas não era assim no começo da década de 2010, quando os charts estavam entulhados com porcarias de “Agitação da Festa” e lixos de autoafirmação. É difícil se irritar com a interpretação de Gaga sobre o empoderamento dos excluídos, provavelmente, porque ela está enraizada em algo real. Na jubilosa “Bad Kids”, uma música inspirada nas histórias que ela ouviu de seus fãs enquanto estava na estrada, Gaga faz piadinhas de colégio soarem como frases que você iria querer usar num distintivo: um “Jovem rebelde degenerado”, uma “Vadia”, um “Babaca”, um “Pirralho”, “Um punk egoísta [que] realmente deveria levar um tapa”. Em outras ocasiões, ela olha para dentro sem vacilar. “Marry The Night”, uma música sobre os anos antes da fama de Gaga no Lower East Side, coloca um megafone numa mente machucada correndo com o extinto de sobrevivência. Um vídeo cinemático parece referenciar o abuso sexual que ela sofreu aos 19 anos, que, ela disse numa entrevista em 2019, a levou à hospitalização e um “surto psicótico”. Esses detalhes, que ela não compartilhou na época do lançamento do Born This Way, lançam uma sombra ainda mais forte nesse hino sobre o trabalho duro. [A música] sempre foi uma fantástica trilha-sonora para marchar pelas ruas; é também um solene voto para “casar com a escuridão” apesar da violência que pode se esconder em suas sombras.

A confiança recuperada do Born This Way se reduz à compositora metade mulher, metade máquina da capa, uma ginoide mutante que grita com a fúria de um santo. É ridícula, feia. As pessoas a odeiam. É também uma combinação perfeitamente punk para esse fragmentado colosso de um álbum, um ápice da criatividade descontrolada e comércio sem remorsos. Ela ainda te faz querer viver sem a Scheiβe – mas é tão adequada para um mundo cheio dela. Durante uma hora, [o álbum] te faz se sentir como se você fosse feito de aço.


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Fonte

Tradução por David Luis

Revisão por Eliza Pildervasser