Para a edição de setembro da V Magazine, na qual é a capa, Lady Gaga concedeu uma entrevista exclusiva falando sobre vários assuntos.

A página da entrevista é aberta com uma citação de Gaga, falando sobre como queria alcançar as pessoas com o álbum "Joanne".

"Eu sempre vejo uma garota. É em um sonho. No sonho eu estou tocando em um anfiteatro ao ar livre, e depois dos assentos há um campo lá atrás - são os ingressos mais baratos. É lá que a garota está sentada, vestida em uma blusa e os jeans da sua mãe. Ela tem três bebês, dois estão correndo ao redor dela. Há um cigarro na sua mão, um copo de Pinot Grigio. Ela está usando um monte de jóias, a maioria falsa, mas ela está usando uma jóia de família. Essa garota está cantando cada nota e ela pensa, ‘Como é possível Lady Gaga entender como eu me sinto?’ Aquela garota sou eu. É para ela que estou escrevendo. Com Joanne, eu queria alcançar as pessoas, eu queria trazer todas as partes do país juntas através desse álbum’’. - Lady Gaga

Em seguida, a entrevistadora, Tama Janowitz, fala sobre Gaga e comenta sua perspectiva sobre ela durante a entrevista, feita no ano passado.

(Lady Gaga e Tama Janowitz)

Leia a tradução:

Como uma leitora dos ‘perfis das celebridades’, eu quero as sujeiras, as fofocas. Eu quero saber o que faz alguém ter palpitações. Eu quero analisar profundamente e chegar no âmago de quem eles são. Quando a chance de entrevistar Lady Gaga apareceu, eu estava curiosa em entender a fonte do impulso dela. De onde vinha toda aquela energia, entusiasmo e ambição?

Eu passei minha juventude em uma Nova York reinada por Andy Warhol, então eu sei uma ou duas coisas sobre superestrelas. Warhol teria amado Gaga. Se ela estivesse por aí nos anos 80, Andy teria saído com ela todas as noites, feliz em levá-la em lugares para jantar, eventos mundiais de arte - alguém para viajar e passar um tempo. Ele teria pintado o retrato dela e colaborado em projetos com ela. Ambos católicos, criativos, ambiciosos, sem maldade ou grandiosidade - ambos solitários e querendo ver o planeta, explorar e agarrar o mundo. Ele teria sido um grande admirador dela.

Sempre existe um buzz de empolgação ao redor de Gaga, e quando eu menciono que irei entrevistá-la, seja minha filha de 21 anos ou meus amigos de meia idade, todos instantaneamente sabiam quem ela era. Mesmo onde eu moro - interior de Nova York, Schuyler County, onde as estações de rádio são dominadas pelo country - a voz instantaneamente identificável de Gaga pode ser ouvida no Walmart. As pessoas que eu conheço podem não escutar ela, mas todo mundo sabe quem ela é. Como isso aconteceu? Gaga tem pouco mais de 30 anos e o mundo se tornou um lugar separado em pequenas categorias de interesses pessoais. E enquanto ela se prepara para sua Joanne World Tour de agosto a dezembro para divulgar o álbum de mesmo nome que ela lançou quase um ano atrás, Gaga está na liderança da música pop, como sempre esteve.

A ansiedade antes de encontrá-la é vertiginosamente complexa. Faltando alguns dias para a entrevista, recebi muitas ligações: num momento a entrevista iria acontecer no dia 22, depois dia 23 e finalmente no dia 24. Aconteceria na parte da manhã, depois na parte da tarde e na data oficial foi modificado de AM para PM, de cinco para seis e sucessivamente. Quando eu finalmente recebi a ligação para estipular tudo, veio com um aviso de que o horário da entrevista teria que ser adiantado. Quem me contou foi um dos assessores dela, que decidiu gravar um vídeo discreto para uma de suas músicas do Joanne. Eu me perguntei, depois de um dia todo em um set - infinitamente cansativo - qual Gaga eu irei encontrar?

Muitos daqueles que atingiram esse nível de sucesso frequentemente entraram na comunidade de zumbis, congelados em um espaço reservado para aqueles que ocupam um mundo envidraçado de flashes e assessores, incapazes de confiar em alguém de fora a não ser celebridades igualmente importantes ou sua comitiva imediata - companhias que notificam a imprensa da chegada e saída das suas luzes, funcionários, secretários, estilistas, pessoas com quem eles podem agir naturalmente. Esses são os amigos deles, todos estão sendo pagos. Eles têm sido seguidos, fotografados, difamados, ridicularizados, humilhados e eles tiveram que desenvolver uma armadura revestida de aço. Eles estão em uma bolha.

Mesmo quando eu fui na casa de grandes celebridades para fazer entrevistas, a pessoa frequentemente não terá interesse e talvez nem habilidade de mostrar eles mesmos como algo além de estrelas bem ensaiadas e desumanas. Quando o público rói a concha deles, parece que não tem mais nada dentro para oferecer.

Quando eu cheguei no estúdio, havia um monte de gente: seguranças, motoristas, funcionários do estúdio. Há um santuário de equipe de revistas, e além disso, ao redor do templo do altar estão as luzes e os caras do som, fotógrafos e estilistas - com Lady Gaga no centro de tudo, o núcleo por onde milhões de átomos giram, sempre em órbita, mantidos constantes por alguma força misteriosa da gravidade. Ela está com um violão e o está dedilhando casualmente, incapaz de fazer certo o acorde de fá. Durante todo o tempo, ela sendo incomodada por maquiadores e estilistas fazendo vários ajustes nas roupas que estão penduradas no seu corpo.

Lá está ela, Lady Gaga, a estrela maior que a vida, inacreditavelmente pequena e luminosamente linda enquanto ela sorri e fala oi comigo. Ela tem mais de 200 milhões em sua conta e já conheceu, ou assim parece, todo mundo no planeta. E ainda assim, naquele momento, nos seus jeans, camiseta branca e botas de cowboy, ela parece ser apenas uma pessoa qualquer. Claro, é uma ilusão, porque ela é tudo menos isso. Mesmo quando ela está sem a maquiagem pesada, os enormes sapatos e roupas, mesmo depois de 12 horas do que deve ter sido um dia difícil, um trabalho sem fim, ela está envolvida na própria mágica brilhante.

Eu estou esperando alguém ferozmente ambiciosa, uma comandante chefe petulante, uma força da natureza que alcança e é bem sucedida com tanta intensidade que você pode sentir ou perceber pessoalmente, mas atrás das luzes e os equipamentos, assistindo tudo se revelando, a Gaga na minha frente parece quase despreocupadamente inconsciente da loucura ao redor dela. Ela está só sentada lá, parecendo uma criança. Um homem afina o violão dela e a devolve. Um dos seios de Gaga está à mostra, pressionado contra as costas do violão. Ela é linda de um jeito melancólico. E não há como negar que o talento vocal dela a tem colocado nas alturas, é aquela qualidade misteriosa, a que todos nós ansiamos encostar, que tem oferecido o combustível para a jornada dela de foguete para além dos limites da fama.

Ela começa uma música. É do seu álbum mais recente, Joanne, que é vagamente um country do oeste. É muito prazeroso: os acordes simples, o canto queixoso e triste. Ela claramente teve experiências de tristeza sincera e isso aparece na forma como ela canta. Eu geralmente fico estarrecida com emoção artística falsa, mas eu não estou sentindo nada de falsidade. Eu sento em um banquinho, fico assistindo e esperando.

Horas se passam. Eu caminho para outros cômodos. Eu fui servida pela sua assistente, seu empresário. Eles me ofereceram champagne enquanto espero e mandaram uma garrafa de Pinot Grigio (que foi o que eu pedi). Além da luz cintilante de Gaga, você pode sentir, depois de um dia tão longo, que a energia no estúdio começou a desaparecer como uma fogueira se apagando. No momento em que ela decidiu de última hora gravar uma música, sozinha, acústica, são quase 10 horas da noite. Os funcionários desaparecem. Ela dança ao redor do estúdio, segurando um chapéu e óculos de sol para a foto, e eu preciso tão desesperadamente impressionar meus amigos - particularmente minha filha de 21 anos (meu status aumentou em grandes percentuais ao conhecê-la). Gaga está vestida casualmente, mas está praticamente nua, seus pequenos calções revelando suas curvas, sua camiseta cortada tão alta que seus seios estão expostos. Eu queria ter esse tipo de facilidade com meu corpo. Tenho a sensação de que, sozinha em casa, ela provavelmente está nua o tempo todo. O empresário de Gaga e eu entramos no camarim. Nós nos sentamos em banquetas altas na frente do espelho, e as luzes ao seu redor estão brilhantes. Estou bebendo o Pinot Grigio, e ela está fumando um cigarro de cravo.

"Para mim, Joanne, nos termos mais simples, são as histórias clássicas de nossas vidas que nos ajudam a voltar para quem realmente somos, não importa o quão perdido estamos". E então ela se inclina para frente, ansiosa para explicar. "Você sempre pode voltar para uma perda, ou sofrer uma perda recente, ou uma luta desafiadora em sua vida familiar ou sua infância. E quando você volta para aquele lugar, de alguma forma isso te leva de volta para onde você estava no começo. E para mim, é disso que esse álbum fala. Porque depois do The Fame Monster e dos álbuns seguintes, eu sentia que uma parte de mim estava se conectando num nível pessoal com o público e parte de mim estava se conectando num nível totalmente novo, um que eu desejava estabelecer com eles, uma espécie de um nível fantástico e mágico. E agora, eu quero mais dessa conexão.”

A este ponto, estamos tagarelando como velhas amigas e todas as minhas perguntas sobre o que a motiva desaparecem. À medida que a entrevista prosseguia, eu queria protegê-la. Talvez seja semelhante à forma que as pessoas se sentem quando conheceram, por exemplo, a Audrey Hepburn ou a Marilyn Monroe, mulheres que aparentavam ser frágeis e danificadas, mas que eram, ao mesmo tempo, extremamente fortes. É o mesmo sentimento, também, que eu tinha quando passava um tempo com o Andy Warhol. Naquela época, nas noites que saíamos e festejávamos juntos, frequentemente havia uma raiva evidente e hostilidade nas multidões que se reuniam ao seu redor. Aqueles que estavam com ele tinham que garantir que ele fosse levado a uma sala mais quieta e isolada. Mas o Andy não parecia perceber. Ele abstraía, ou talvez até ficasse satisfeito com a atenção.

Bobby, seu empresário, corre para pegar um tocador de fitas-cassete – Gaga quer que eu ouça sua música sobre Pinot Grigio, que é o que ela e as amigas bebem o tempo todo.

“Eu quero me conectar com as pessoas num nível mais profundo”, ela me conta. “E eu quero ser capaz de ver todas as outras coisas pelas quais me interesso, mas lentamente e de forma diferente. Joanne é sobre viver cada dia como se fosse o meu último. A irmã do meu pai morreu quando tinha 19 anos – essa era Joanne, minha tia. Esse era o centro da dor na minha família. Enquanto crescia, nunca entendi sobre o que eram as lágrimas da minha família.

“Como ela morreu?”, pergunto.

“Lúpus”, Gaga responde.

“Oh, Como a Flannery O'Connor”, digo, me referindo à brilhante escritora que morreu da doença.

“É uma doença autoimune terrível. Joanne morreu em 1974, mas eles não tinham ideia da causa de sua morte. Eles não sabiam o que era. E então quando ela estava muito, muito doente, ela teve lesões nas mãos e os médicos queriam amputá-las. Ela era um pintora, e ela fazia crochê e tricô, e era uma escritora e poeta. Uma vez que Joanne se aproximava da morte, minha avó disse 'Eu não posso deixar os últimos momentos da minha filha nesta terra serem sem suas mãos'. O espírito de Joanne está muito vivo na minha família. Meu pai tem um restaurante chamado Joanne, e para mim, pessoalmente, significa que eu devo viver cada dia como se fosse o último. Culpa católica. São essas histórias, histórias clássicas, que me fizeram forte”.

A sinceridade de Gaga – sua vulnerabilidade e abertura – são tocantes, aparentemente em desacordo com a exibicionista/provocativa/entidade maior-que-a-vida que pode performar no Grammy com o Metallica ou ser a headliner do show do intervalo do Super Bowl.

“Me conte dos cavalos”, eu a perguntei, mudando de assunto para algo que eu tinha aprendido sobre a Gaga, uma paixão sua que honestamente me surpreendeu.

“Eu acho, quando me mudei para a Califórnia, que a luz do sol era muito boa para mim – eu estava feliz. A luz do sol me ajudou a me manter otimista com a minha música. E enquanto eu estava lá, eu desenvolvi uma conexão especial com os cavalos. Começou quando minha gravadora me deu um cavalo de aniversário: uma égua árabe chamada Arabella. Eu nunca havia feito uma aula de como montar em cavalos. Eu literalmente não sabia como andar em um. Mas eu somente a peguei pela juba e a cavalguei sem sela”.

“Ela era bem treinada?”, eu a perguntei.

“Ela é tão bem treinada que, quando eu estava prestes a cair de suas costas, ela dava um passo para o lado para me pegar. Eu também comprei um namorado para ela, Trigger – um cavalo de padreação – porque eu não queria que ela ficasse sozinha. Com ele, eu preciso cavalgar com uma sela. Quando eu ando nele, sempre me sinto poderosa, porque ele é tão poderoso. Não há nenhuma pressão. Eu apenas subo no cavalo e vou. É uma espécie de metáfora para todos os caras com quem estive”.

“Eu ainda não entendo como você consegue fazer isso”, digo.

"Eu sou uma amazona. Tenho meu ótimo cavalo American Quarter, mas mesmo depois de todas as aulas, eu não consigo imaginar subir nela e galopar sem sela. Por outro lado, eu também não consigo usar sapatos com plataformas de 25cm e não cair."

“Meu corpo passou por muita coisa ao longo dos anos. Andar de cavalo me forçou a ser destemida bem rapidamente. É tudo sobre essa área aqui embaixo”, Gaga observa enquanto aponta para a sua virilha, “nessa área da mulher.” Ela acrescenta, “Equilíbrio, força, persistência”.

É uma rotina na qual Gaga parece ter encontrado a sua força e sua inspiração: “Eu faço trilhas, passeios, galopo, não sou do tipo que planeja o que fazer quando monto o cavalo. Eu acordo, escrevo músicas e vou para um passeio.”

Para ter certeza, é uma existência que parece divina para mim, mas também uma que eu sei que é um conto de fadas para a maioria de nós, se não para as praticidades do cotidiano. Refletindo sobre seus prazeres bucólicos, Gaga faz uma pausa, observando: “É tudo tão contrário para a 'eu' de Nova Iorque, considerando que cresci aqui. Eu saí hoje por Manhattan. Estava chovendo muito, mas com a minha nova apreciação pela cidade, eu disse a todos 'Ei, isso não é ótimo?'”

“Quem são 'todos'?, perguntei. “Eu estava falando com a minha equipe”, ela responde. “As meninas que tomam conta de mim. Eu tenho essas mulheres incríveis e poderosas na minha vida. Elas me acordam todos os dias e asseguram que eu esteja poderosa, me sentindo bem e forte. E também os homens gays na minha vida. Eu estaria mentindo se dissesse que não há homens héteros na minha equipe, mas para mim são as mulheres e os homens gays ao meu redor que me dão forças”.

À medida que a entrevista chega ao final, eu fico curiosa para saber aonde ela vai depois que as câmeras, estilistas e treinadores desaparecerem. “Você vai sair?”, pergunto, imaginando uma festa exclusiva e escondida.

“Não, eu vou para casa”, ela responde. “Eu ouvirei música, tocarei o piano, provavelmente ficarei acordada até as 3 da manhã. Normalmente, eu acordo e vou para o estúdio quando estou em Nova Iorque, mas acontece que amanhã estarei com o dia livre”.

Quando estou prestes a sair, ela me presenteia com um enorme buquê de lindas hortênsias e lírios. Se ela já não tivesse me conquistado, conseguiu agora.

Um tempo depois da entrevista, eu sinto falta dela. Eu não estou tentando me emocionar depois de passar um tempo com ela, mas eu tenho que admirar esta criatura, da mesma forma que eu admiraria um beija-flor brilhantemente colorido ou uma flor, uma rosa em todo o seu desenvolvimento, as pétalas que ainda não caíram. É a primeira vez em um longo tempo que eu quis fazer um novo amigo, assistir a vida louca dela se desdobrar na minha frente, pegar na cauda do cometa e segurar durante a jornada. Eu ainda não sei o que faz ela ter palpitações, mas eu posso dizer - e com um radar apurado de falsidade - eu saí de nossa entrevista somente com elogios e admiração por Gaga.

Enquanto eu estudo a trajetória dela como artista, eu me pergunto o que isso significa no grande plano das coisas quando encontramos com o surgimento inesperado de estrelas dessa magnitude - como uma Madonna ou um Michael Jackson. Em alguns casos, o talento virtuoso acende e acaba rapidamente, uma explosão de deslumbramento criativo semelhante a uma vela romana. Enquanto para outros, o trabalho deles, sua reputação, vai além da vida deles - Elvis Presley, talvez. Os Beatles. Eu já conheci muitos que vieram para a cidade de Nova York, formaram uma banda, tocaram em toda a cidade e fizeram um álbum. Por um momento, o ‘sucesso’ deve ter parecido tão perto do alcance, mas onde eles estão agora? Cave dentro dos depósitos de qualquer loja de música em declínio em Manhattan e você encontrará os álbuns deles sendo vendidos por um dólar ou dois. Mas parece improvável que o desejo de Gaga em consumir o universo será facilmente reprimido e sua ambiciosa turnê mundial esse ano é outra expressão dessa paixão.

De muitas formas, o estrelato de Gaga a levou para mais longe do paraíso que muitos de nós pensa que ela habita. Claro, ela tem o rancho dela para se afastar, mas a arcádia própria dela, como na mitologia, nos lembra que há forças maiores esperando nos portões. Gaga voou nas maiores alturas da fama e aterrissou nos Campos Elísios. Fazendo isso ela é, como a garota de quem ela fala, sozinha em um campo distante, usando jeans e uma blusa Hanes.

Mas Gaga também é gentil e corajosa, mais determinada que qualquer um que já conheci. Eu acho - eu sei - o topo que ela atingiu, enquanto não for removido das tribulações épicas que são seu próprio Monte Olimpo, e ela é nossa Athena dos olhos brilhantes, uma deusa para se admirar e proteger.

Acompanhe todas as novidades sobre a Lady Gaga em nossas redes sociais: Facebook, Twitter e Instagram.

Tradução por Vanessa Braz de Queiroz, Hugo Queiroz e Matheus Braga

Revisão por Vinícius de Souza