Nesta sexta-feira (29/09), o site NOISEY publicou um artigo falando sobre como Lady Gaga foi a pioneira dos “fandoms” virtuais da forma como nós conhecemos hoje em dia e sobre sua relação com os fãs ao longo dos anos.

Confira a tradução:

Atualmente existem Beliebers, Swifities e Directioners, mas os Little Monsters foram criados de um modo que nunca havia sido visto antes.

Apesar de ter causado tumulto, ficado nua e ter incendiado latas de spray de cabelo com os peitos de fora em bares por Nova York durante anos, Lady Gaga não tinha um nome que soava familiar até lançar seu álbum de estreia, em 2008.

Os jornalistas desconcertados não conseguiam entender o sentido de seus laços de cabelo platinado, seus maiôs minúsculos e a xícara de chá roxa que ela levava consigo pra todo lugar que ia. Mas ela foi um sucesso imediato em meio aos fãs de música pop, que ficaram fascinados por seu estilo flamboyant flamejante, chamativo), seus vídeos cada vez mais criativos, e sua determinação renovadora para expandir as fronteiras de um cenário pop que até era legal na época, mas não era necessariamente excêntrico.

Embora a própria Gaga fosse inegavelmente excêntrica, sua música, principalmente no início da carreira, era bastante palatável. Apesar de sua estreia ter sido vendida como uma viagem exploratória à fama num estilo Warholiano, suas músicas eram cativantes, repetitivas e sintetizadas. Elas eram também massivas. A batida pulsante dos sintetizadores e o refrão hipnótico de “Just Dance” foram o acompanhamento perfeito para festas caseiras adolescentes pelo mundo todo, e a coreografia somada às batidas de “Poker Face” tinham a capacidade de transformar qualquer boate gay de uma pequena cidade em um local eufórico e radiante. Jovens do mundo todo consumiram seus hits viciantes, suas roupas originais e suas mensagens de auto-aceitação, levando-a ao status de ícone mundial em apenas alguns meses.

Mas somente no verão de 2009 que esses garotos e garotas mencionados receberam um nome: Little Monsters, a forma como ela começou a chamar o público de seus shows. Dar a uma fã-base um nome já era algo comum no K-Pop, mas Gaga foi a primeira artista a fazer isso em uma proporção tão grande dentro do contexto ocidental, usando a nomenclatura para descrever a forma como seus fãs se contorciam, gritavam e dançavam durante suas performances. Dar nome a seus fãs causou duas coisas. A primeira delas foi criar uma narrativa envolvendo “nós” e “eles”. Ou você era um verdadeiro fã da Gaga, ou não era. Em segundo, agrupou a todos de um modo que fazia sentido online. Para uma geração de jovens que estavam conectadas à internet, ser um Little Monster significava mais do que ir a alguns shows. Significava ter uma rede de apoio de pessoas com o mesmo tipo de pensamento, com os quais você poderia interagir como uma enorme família. Finalmente havia um nome para todas as pessoas que gastavam horas a fio imersas no mundo virtual de Lady Gaga, que aumentava a cada ano.

Isso rapidamente criou um novo esquema: os fãs de Bieber se auto proclamaram ‘‘Beliebers’’, Taylor tem seus ‘‘Swifties’’ e a ‘‘Rihanna Navy’’ se formou. Mas Gaga foi a primeira. O professor Mathieu Deflem - que escreveu o livro "Lady Gaga e a Sociologia da Fama" e dedicou uma disciplina inteira na universidade à sua influência - concorda que o efeito de Gaga na cultura de fãs é notável: ‘‘Eu diria que Gaga facilitou o processo para outras estrelas pop e celebridades’’, ele diz. ‘‘Outras estrelas agora nomeiam suas fã bases - tanto que o efeito está passando. Também significa que há somente uma Lady Gaga, e que o impacto de imitá-la ou adotar suas estratégias são limitados’’.

Estranhamente, à medida que a fã base de Gaga se multiplicava, sua relação pessoal com eles foi se tornando mais forte. Foi na metade de 2009 - antes do relançamento de seu primeiro álbum através de The Fame Monster - que ela começou a usar o símbolo com a mão, ‘‘Garras de Monstro’’ (paws up). Foi um gesto simples como flexionar os dedos e levantá-los no ar, mas ela o repetiu online e no palco tantas vezes que pegou. Os fãs faziam ‘‘paws up’’ nos shows e ela eventualmente tatuou a garra na suas costas, a qual ela compartilhou no Instagram como se fosse um presente para os fãs. Ela falava sobre se sentir como uma intrusa, compartilhando histórias pessoais e pregando sobre tolerância e a importância da igualdade, constantemente vocalizando um sistema de crenças as quais ela acreditava. E então, os Little Monsters tinham um nome, uma ideologia e um símbolo universal que os unia. Ao definir exatamente o que um Little Monster deveria ser e acelerando o senso de comunidade entre os fãs, Gaga basicamente criou um culto (mas, você sabe, um divertido, diferente daqueles que terminam em algo sinistro como mortes em massa). E tudo isso virou uma bola de neve online.

‘‘Gaga e sua equipe entenderam a criação de uma fã-base poderosa através de redes sociais, e sua relação com os fãs sempre foi muito pessoal e direta’’, diz Deflem, explicando como e por quê os Little Monsters cresceram tanto na internet. ‘‘Ela estabeleceu uma cultura onde parece que há uma simetria entre ela e seus fãs, enquanto eles podem se comunicar. Você pode tweetar para Lady Gaga, e quem sabe? Ela pode responder. Esse senso de interação horizontal, por mais ilusório que seja, funciona para criar um senso de comunidade’’.

Claro, cada artista na época tinha o Twitter porque era regra, mas suas contas eram frequentemente reservadas para tweets comerciais e interações banais, diferente dos vislumbres da personalidade do artista que parecia genuína. Gaga intercalava entre tweets engraçados com vídeos dela argumentando contra a ‘‘Don’t Ask, Don’t Tell’’, política tóxica dos EUA agora abolida sobre os membros LGBTQ+ do serviço militar. Ela compartilhava as notícias sobre como estava trabalhando para lutar contra o cyberbullying com a Born This Way Foundation, ou talvez uma imagem sua fazendo uma "declaração" em um vestido de carne acompanhada por soldados demitidos. Gaga oferecia mais que sua música, e quando ela deu um passo à frente e criou sua própria rede social, a plataforma LittleMonsters.com, pareceu que ela tinha construído um mini universo para seus fãs viverem.

Vale a pena notar também que por causa do tanto que foi investido na criação de uma rede social, a estrela compartilhava selfies, pequenas respostas e declarações para garantir a seus fãs que tudo valia a pena. Se tornou o equivalente a um centro comunitário online, onde as pessoas podiam participar de chats em diversos idiomas, compartilhar memes e até mesmo participarem de ‘listening parties’. A própria Gaga costumava participar do fórum: foi lá que ela descobriu a grande fã (e que agora é membro da famosa Haus of Gaga, uma rede de criatividade influenciada pelo icônico Warhol) Emma, que sofre de escoliose, e pagou por sua cirurgia no quadril. Aqui, a estrela se abria para seus fãs, compartilhando fatos e discutindo sobre dor, saúde mental e suas experiências na indústria.

Foi em 2013 que as coisas começaram a desandar. Começou com uma lesão no quadril e se expandiu para a campanha de lançamento do ARTPOP, que começou com a estrela demitindo seu empresário. Para piorar tudo, ela convocou o fotógrafo controverso, Terry Richardson, para gravar um vídeo no qual R. Kelly, uma estrela cuja carreira foi afetada por má conduta sexual, ‘‘faz o que ele quer’’ com o corpo dela. O vídeo foi enlatado, com Gaga falando que tinha sido falta de qualidade causada por falta de tempo, já que a razão real nunca viu a luz do dia.

Gaga lidou com esses vários tropeços buscando conforto em sua própria rede social. Em público, parecia que as coisas estavam indo gradualmente ladeira abaixo, mas ninguém conseguia apontar o motivo. Depois que ela criou uma pintura esquisita de um frango demoníaco, um fã escreveu um post sobre a preocupação com a estrela, a qual Gaga respondeu. Em um post animado, mas ainda assim muito sincero, Gaga escreveu que ela se sentiu abandonada durante sua cirurgia no quadril e que ela era mais que uma máquina de fazer dinheiro para alimentar pessoas e corporações - temas que ela comentou mais em um excelente discurso no SXSW (você sabe, o que Millie Brown vomitou tinta na roupa de Gaga). Claro, nós vivemos agora em uma época onde Katy Perry faz livestreams de suas terapias, mas Gaga expondo seus demônios dessa forma para seus fãs é um exemplo de como ela interage com eles desde o início.

Gaga pode não ter sido a primeira estrela pop a desenvolver um vínculo tão próximo com seus fãs, mas ela é sem dúvida a primeira a extrair o potencial completo da era digital para isso. Claro, seus experimentos mais extravagantes com tecnologia nem sempre atingem o esperado - lembra aquele aplicativo bizarro de ARTPOP que nunca realmente se materializou? Mas, quando ela volta a responder os fãs, compartilhar selfies enquanto está bêbada e expor aquilo que ela é verdadeiramente apaixonada, ela consegue criar uma conexão genuína que, mesmo hoje, parece rara.

Isso é precisamente o motivo do esquema de Gaga ser genial. Ao ponderar as selfies, memes e posts cheios de sentimento ao mesmo tempo que é o ícone global que esgota shows de arenas em segundos, ela se moldou em uma estrela pop paradoxal: ela pode lançar um comentário autoconsciente da fama como ‘‘Paparazzi’’, mas ainda assim você também se imagina ficando bêbado com ela e colocando o mundo em ordem no sofá de alguém às 3 horas da manhã. Leva mais que um vestido de carne e alguns laços de cabelo para curar uma fã-base tão fanática e tão inabalável como os Little Monsters. Muitas estrelas tentaram, mas sem o senso de entendimento da identidade que vem desses rótulos de fãs. Ninguém entende como Gaga.

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Tradução por Thaís Fernandes e Vanessa Braz de Queiroz

Revisão por Vinícius de Souza