Em um artigo escrito para o site New York Times, a diretora fashion e chefe da critica fashion da NY Times, Vanessa Friedman, escreveu um artigo sobre a atual posição de Lady Gaga no mundo da moda.
No artigo, Friedman relembra looks usados por Lady Gaga desde o início de sua carreira e a evolução que a cantora passou ao longo dos anos.
Abaixo, leia a matéria na íntegra:
"O que está acontecendo com Lady Gaga?
Estive pensando sobre isso desde que a maior e mais escandalosa influenciadora da moda, a mulher que recebeu seu prêmio CFDA Ícone da Moda em um bustiê com spikes, uma tanga e uma bodysuit fina e transparente (e uma pesada parte presa à cintura que causou um mau funcionamento da roupa), decidiu celebrar seu aniversário de 30 anos em um mini-vestido Saint Laurent dourado que acabou de sair, praticamente, das mais recentes coleções "é-couture-ou-não" de Paris da marca (aqueles que estavam lá conosco jamais se decidiram). E não apenas o vestido, mas o look inteiro, do batom vermelho e um cabelo preso em coque.
Não deveria ter sido tão surpreendente: Lady Gaga, cujo nome verdadeiro é Stefani Germanotta, esteve se vestindo de forma mais clássica para as páginas da Vogue já faz um tempo, desde seu Balenciaga no Met Ball até o vestido Versace, preto, usado no Globo de Ouro, o terninho vermelho Gucci de lantejoulas usado no Super Bowl e o "tributo" azul royal, Marc Jacobs, usado no Grammy.
Mas, colocados em contexto, sobre a trajetória de sua carreira, o look Saint Laurent foi nada menos que um choque. O vestido de carne usado no MTV Video Music Awards de 2010 é o máximo que uma celebridade pode chegar. (Lembrem-se: o vestido feito de carne crua, com as botas combinando, pelo designer Franc Fernandez foi escolhido como o "fashion statement" — declaração de moda — do ano.)
Pensem assim: em seis anos, Gaga foi de filet mignon para Saint Laurent. Isso é uma trajetória e tanto.
Embora pareça que tenhamos provocado uma enxurrada de memórias nostálgicas sobre "As Roupas Mais Ultrajantes de Lady Gaga", como se no processo estivéssemos reconhecendo que talvez jamais a veríamos dessa forma novamente (isso porque ela está entrando em sua quarta década, está mais madura ou, pelo menos, mais vestida), ao invés de pensar que sua voz foi silenciada pela moda e, talvez, seja válido prestar mais atenção no que ela tem para dizer. Afinal, ela é uma mulher que conseguiu construir sua carreira entendendo como a imagem pode reforçar e refletir o poder de sua mensagem e de sua música. Não existe razão para pensar que isso mudou.
Todas as estrelas do pop — todas as estrelas, na verdade — precisam transformar (ou pelo menos tentar) sua imagem (caso contrário, caem no risco, como Madonna, de se tornarem paródias de si mesmos). A Jornada de Lady Gaga de uma adolescência rebelde usando couro e sapatos armadillo - forçando os fãs e os espectadores a lutarem contra suas próprias ideias pré-concebidas e sobre o que é beleza — até designer aspirante foi uma das suas transformações mais marcantes.
Ela ainda tem os seus momentos de looks extremos, é verdade, como no ano passado ostentando em um vestido de rede transparente em uma viagem para Londres e usando apenas sutiã e calcinha por baixo de uma meia calça transparente e rasgada no Songwriters Hall of Fame (também do ano passado). Ainda assim, a maioria de suas aparições recentes em público e até as fotos do seu Instagram têm sido incrivelmente polidas e pertinentes.
Embora outras cantoras como Rihanna, Beyoncé e Adele também trabalharam com vários outros designers em diferentes momentos (Adele, por exemplo, está sendo vestida pela Burberry para sua turnê do álbum 25), eu não consigo pensar em outra performer que foi do exagero para o reconhecimento e à elite com o mesmo nível de comprometimento — e sem usar sua aparência como um veículo para introduzir sua própria marca de moda, ou pelo menos colaborar com alguma marca de moda, mas apenas como um instrumento para essas outras marcas.
Por um lado, você pode enxergar toda essa transformação como simplesmente assumir um novo traje para uma nova fase da carreira, atuando em outro papel, especialmente porque ela pode ser vista em seu quarto álbum, Cheek to Cheek, uma compilação de clássicos do jazz* feita em colaboração com Tony Bennett, ou mesmo como mais outro exemplo da forma como a moda agrega a sua própria antítese teórica, sejam elas jeans rasgadas ou jaquetas, e as adapta nas próprias versões da mesma. Mas acredito que algo mais subversivo está acontecendo. Mais do que apenas se tornando convencional, Lady Gaga está, de fato, com planos em sua mente.
Por estar tanto em foco na mídia, ela está realmente fazendo algo radical — potencialmente ainda mais radical do que os looks chamativos do começo de sua carreira, como sair de um ovo vestindo um látex cor-de-gema no Grammy de 2011 ou tocar piano vestindo um casaco feito de bolhas de plástico. Ela está desafiando cada vez mais uma convenção de celebridades que dizem "você deve ser a marca dominante na relação, independente do que você vista": seu look deve triunfar sobre o de qualquer outra pessoa.
Não é insignificante que, apesar de todo o barulho sobre sua aparência na passarela da Marc Jacobs durante a New York Fashion Week, em Fevereiro, e a expectativa que algo grande estava prestes a acontecer, tudo o que realmente ocorreu foi que ela entrou como qualquer outro modelo do desfile. Se ela não fosse muito mais baixa do que o resto do elenco, seria impossível encontrá-la no meio de todas as pessoas (como era de se esperar, a maioria dos convidados ficaram coçando suas cabeças e cochichando: "Era ela?". Ela não estava dizendo nada).
O ponto de tudo era bastante claro: os designers são artistas legítimos com suas próprias estéticas específicas e seria desrespeitoso tentar fazer ou alterar o que eles fazem. É, de certa forma, uma continuação de sua campanha para elevar os desamparados — acreditem ou não. Enquanto a moda pode ser famosa pelo seu elitismo — já é e foi vista por tempos, e frequentemente se vê dessa forma — como o enteado do mundo da arte; aquela forma criativa menos digna. Todos nós temos os nossos complexos.
Independente do que pense disso, Lady Gaga, assim como aparenta, discordaria. Ela não se colocou em um papel de “musa”, atualmente um clichê, mas como uma facilitadora da moda. Tanto porque já existem designers, e aqueles que seriam, como o ex-estilista de Lady Gaga, Nicola Formichetti, fundador da própria marca, Nicopanda, e Diretor Artístico da Diesel, e o seu atual colaborador, Brandon Maxwell, que apresentou uma marca homônima em 2015, que é o atual finalista para o LVMH Young Designers Prize (premiação que apoia novos designers) e o responsável pelo vestido que ela usou no Oscar em fevereiro.
Ela está tocando a música deles. Loucura."
Tradução por Luís Filho
Revisão por Marcos Vinícius.