Com o sucesso de The Fame, a percepção pública que se formou sobre Gaga era de que ali estava mais uma cantora pop, fanática por roupas de grife, festas e sexo. Ela mesma contribuiu para isso, pois esta imagem convinha, parecia natural para uma garota de vinte e poucos anos e era em tudo compatível com os temas do seu primeiro disco. Aliás, essa fixação hedonista com consumo e fama era parte do “zeitgeist” do final da década passada - não por coincidência, foi justamente nesta época que reality shows como Real Housewives ou Keeping up with the Kardashians explodiram nos Estados Unidos, ecoando este ideal de felicidade adquirida através da notoriedade pública e de um estilo de vida luxuoso.
Embora preocupações mais existenciais que materiais tenham começado a dar o ar da graça já no trabalho seguinte, a “celebridade” de Gaga tomou a dianteira de sua carreira nos anos posteriores e perpetuou aquela imagem inicialmente construída. Mesmo durante o ciclo de divulgação de Born This Way, quando Gaga tratou direta e indiretamente de assuntos importantes nas entrevistas que concedeu - temas como auto-aceitação, bullying e direitos LGBTQ, refletindo os tópicos tratados no próprio álbum -, eram as supostas intrigas com outras estrelas ou o desempenho dos singles que interessavam ao público. Com ARTPOP não foi diferente, agravada a situação pela lenta recuperação da cirurgia na bacia e pelo rompimento com Troy Carter, seu empresário e amigo pessoal de longa data. Assim, mesmo depois de anos e de muito trabalho, a imagem da popstar frívola ainda persistia para uma grande parcela do público.
Por outro lado, Gaga se tornou vítima da persona que criou. Tudo o que ela fazia era cercado por expectativas irreais que ela tentava, inutilmente, satisfazer, a custo de muito trabalho e esforço - dedicação esta raras vezes reconhecida e que lhe privava da convivência com amigos e família, resultando num isolamento danoso à sua saúde psíquica. Seu talento e engajamento eram frequentemente ofuscados por excentricidades que, por vezes, pareciam estar ali menos pela vontade pessoal da artista, e mais por uma exigência da “personagem”. A situação chegou a um ponto insustentável.
Os anos seguintes foram de redescoberta: Gaga pôde voltar às origens e dedicar-se exclusivamente a cantar com Tony Bennett; pôde realizar seu sonho de atuar, graças a Ryan Murphy; pôde vestir-se apenas como Stefani, e não como Lady Gaga; pôde dedicar-se à sua família e amigos com a mesma energia com que, por anos, havia se dedicado aos seus fãs. Em suma, um lado mais vulnerável e humano teve a oportunidade de se manifestar. E quando todos esperavam que ela simplesmente retornasse aos velhos hábitos com o lançamento de um novo álbum, ela preferiu seguir em frente, trazendo consigo tudo o que havia aprendido nos últimos anos.
Em 2016, com 30 anos, Gaga parece estar finalmente se libertando das expectativas que as pessoas - e ela mesma - criaram ao seu redor e ocupando-se apenas de crescer, como artista e como pessoa. As letras ora engajadas, ora confessionais de Joanne, o abandono do choque como tática de performance, o menor peso que a sua “celebridade” tem exercido nas suas escolhas, tudo transpira amadurecimento e honestidade. A preocupação com o visual das performances e com os figurinos continua, claro, mas não chegam mais ao ponto de se tornarem mais importantes que as músicas, as letras ou a mensagem - aliás, sua preocupação com a mensagem, com as causas que ela sempre defendeu, é a maior constante da sua carreira. Uma imagem pública nova - e talvez mais próxima da realidade - vai se construindo ao redor da mesma mulher.
Por óbvio, existem os viúvos daquela fase inicial, saudosos do escapismo que Gaga, por tanto tempo, representou. É compreensível. Mas há também muitos outros felizes por tê-la “habitando a mesma realidade" que nós e tendo as mesmas preocupações e sentimentos, saindo da sua zona de conforto, disposta a aprender e a mudar. É interessante que ela se aceite e se exponha como um pessoa “em processo”, imperfeita, lutando para se aprimorar, enquanto a maioria das pessoas se vende como um produto acabado, sem falhas. Essa abertura não apenas permite que a gente se reconheça nela - pois, no fundo, todos sabemos que somos falíveis -, mas também faz do futuro artístico de Gaga uma incógnita - ela está aberta a todas possibilidades, pronta a aceitar riscos, a falhar, a aprender e a crescer! Isso me soa mais excitante que qualquer vestido de carne.
Texto por Yuri M.
Revisão por Kathy Vanessa