Através do seu site oficial, o jornal The Washington Post divulgou hoje (24) um super artigo sobre as duas residências de Lady Gaga em Las Vegas, "Enigma" e "Jazz & Piano".
No artigo, além de exaltar o trabalho de Gaga, o jornal fala sobre o que significa uma artista de tal porte estar se apresentando em Las Vegas no atual momento de sua carreira.
Confira a tradução completa:
Hollywood iluminou a estrela de Lady Gaga. Las Vegas irá protegê-la do esquecimento.
É noite de sábado em Las Vegas, e Lady Gaga está fazendo aquela coisa cataléptica de vitória — uma pose banhada de aplausos em que a moldura congelada da cantora absorve o estrondo quente de 10.000 palmas enquanto seus olhos frios atiram os raios da morte a meia distância.
Quem ela está encarando? Para começar: Elvis Presley, Wayne Newton, Cher, Celine Dion, Barry Manilow, Lola Falana, Tom Jones, Charo e Rat Pack. Britney Spears e Mariah Carey. Jennifer Lopez e Gwen Stefani. Abbott e Costello (Bugsy Siegel os agendou em Flamingo em 1946). Donny e Marie (ainda estarão tocando em Flamingo em 2019). Siegfried e Roy, e aquele tigre que do nada queria comer Roy em 2003. Toda garota corista que alguma vez chutou os pés na direção do paraíso. Cada homúnculo flexível que já se inscreveu no Cirque du Soleil. Cada stripper, cantor, mágico, dançarino e artista de jazz que alguma vez veio a este país das maravilhas brilhante, sonhando aquele lindo sonho americano de transformar sorrisos em dinheiro. Até mesmo o santo padroeiro da cidade e o espírito assombrado, Wladziu Valentino Liberace. A única maneira de Lady Gaga honrá-los é desperdiçá-los.
É assim quando você está tentando recuperar seu lugar como a maior entertainer que respira. Aos 32 anos, ela é apenas uma criança, mas Gaga sabe como ficar mais famosa de mais formas que qualquer um na indústria.
Apesar de sua postura radical, ela continua uma estudante excelente do pop, uma competidora virtuosa e uma atriz incansável que recentemente passou a primeira década de sua carreira buscando mimos da indústria da música, alta costura, o mundo da arte, Hollywood, Bud Light, Netflix, Tony Bennett e a NFL. Agora ela está colocando sua bandeira na sujeira de Nevada com duas residências de shows separados: um show futurista pop chamado ‘Enigma’, apresentado em equipamento anti-rebelião de ficção científica; e um espetáculo de clássicos chamado “Jazz e Piano”, cantado em vestidos de baile feitos de luz estelar pulverizada. Está tudo indo muito bem. Tanto que, no meio do show pop de sábado passado, ela rugiu para a cidade do neon e todos os seus fantasmas: "Esta é a nossa cidade agora!"
Talvez você veio aqui para jogar, mas Lady Gaga não veio. Em vez de tratar Las Vegas como um bunker de aposentadoria, onde talentos desvanecidos cantam para as plateias menos céticas do planeta, ela está aqui no auge de seu estrelato, atingindo todas as altas notas com cada átomo de seu ser. Para uma pessoa perfeccionista e viciada em controle, isso deve parecer com o paraíso. A única pessoa que ela pode desapontar dentro dos limites da cidade é ela mesma. O que mais ela poderia querer?
“Dê o Oscar para ela!”
Foi isso que alguns desconhecidos gritaram perto do grande final do noivado de sábado de Gaga no MGM Park Theater - sua quinta data "Enigma" desde o lançamento do show no mês passado. Ela estava facilitando seu caminho para “Shallow” - a balada que sua personagem canta para o efeito paralisante no último remake de Hollywood de “Nasce Uma Estrela” - mas quando aquele grito errado do Oscar passou pelo ouvido de Gaga, seus dedos pularam do piano como se as teclas tivessem ficado quentes ao toque.
"Não é sobre o prêmio, é sobre o processo de criação", disse ela, girando em direção ao grito anônimo. "Se você quer ser uma estrela, é melhor que você queira mudar a vida das pessoas, não a sua."
As palavras saíram de sua boca com total autoridade, como se estivesse praticando no espelho todas as manhãs desde que o filme estreou no Festival de Cinema de Veneza. (Ela provavelmente as recitará na terça-feira seguinte, ao atualizar oficialmente seu currículo: “Lady Gaga, atriz indicada ao Oscar”.) Mas foi essa a verdadeira Gaga falando? Ou a falsa? Há uma diferença agora? Não costumava ter, quando ela se apresentava como uma obra de arte ambulante e consciente, cantando sobre a fama como se fosse o acontecimento metafísico mais inestimável que nossa civilização conhecerá. No processo, ela ganhou ouvintes devotos - os mais zelosos estavam lá para saudar a madrugada da cultura Stan, apelidando-se de "Little Monsters" - e Gaga ficou tão boa em fazê-los felizes que ela eventualmente teve que farejar novos mundos para conquistar. Daí, o álbum de duetos de jazz, o aumento nos papéis de atuação, o show de intervalo do Super Bowl.
Depois de passar por tudo isso, os sentimentos da Lady sobre a fama começaram a mudar. "Não é tudo champanhe e rosas", declarou ela no sábado, enquanto aquecia para "Million Reasons", uma renúncia de onipresença/música de coração partido de três anos atrás. "Você paga um preço."
Ok, então isso foi a verdadeira Gaga? Por que estamos perguntando isso esta noite? No mundo real, podemos tentar organizar seu redemoinho de personas paradoxais em algum tipo de ordem, mas aqui, no fundo desse labirinto perfumado de luz colorida e som ininterrupto, tudo o que você precisa fazer é saboreá-los através de sua palhinha parecida com milkshake de morango.
Ouvir Lady Gaga cantar “Shallow” em Las Vegas é sentir todas as suas iterações passarem rapidamente em uma névoa feliz - um sonho de celulóide dentro de um sonho de música dentro de um sonho de show dentro de um sonho de Las Vegas. Além disso, quando as luzes se acendem e as bolhas dos sonhos começam a estourar, você ainda pode embarcar na Strip e perambular pela única bolha da América com seu próprio código de área. Foi assim que o show de sábado terminou. Foi assim que começou: Com Gaga pendurada no teto em um fio metálico, sua coluna curvava levemente como um anjo rococó caído, seu colã cintilando, como se tivesse acabado de rodar em uma pilha de bolas de discoteca quebradas, seus lábios brilhando em laranja como se ela tivesse acabado de enfiar um cone de tráfego no teto.
A primeira música que saiu de sua boca radioativa foi “Just Dance” - um sucesso cirurgicamente preciso sobre a perda de controle - e quando ela finalmente tocou no palco, ela liderou pelo exemplo, pisoteando violentamente em um e três como se a vida fosse curta demais para esperar por dois e quatro.
A música de Gaga sempre teve esse tipo de pressa. Não importa se ela está cantando grandes afirmações vindas do coração ou pequenos nya-nyas, ela está quase sempre na frente da batida - e é o incansáveloquevememseguida de seu fraseado vocal que faz com que as músicas subam. É difícil imaginar as músicas soarem melhor do que em Las Vegas, onde a antecipação ansiosa ocupa cada centímetro cúbico de espaço aéreo comum, onde todos esses jogos de azar ecoam a tensão repetitiva e a liberação que tanto imploramos em músicas pop.
Com relação as maiores ansiedades atualmente pairando sobre nossa república, Gaga falou sobre elas devagar, em voz alta e claramente. Ela repreendeu o presidente Trump pelo o apagão do seu governo, e em seguida eviscerou o vice presidente Pence por defender a decisão de sua mulher por trabalhar em uma escola que discrimina abertamente contra a comunidade LGBTQ.
“Você é a pior representação do que significa ser cristão,” falou Gaga. “O que eu sei sobre o cristianismo é que nós não temos preconceito, e todos são bem-vindos”.
Essa foi a Lady Gaga mais real. Aquela que acredita em igualdade, justiça, liberdade de expressão, o poder da verdade, Deus, você, roupas reflexivas com estranhas protuberâncias, e acima de tudo, o grande impulso utópico da musica pop.
Todos são bem-vindos.
Domingo à noite, “Jazz & Piano”. A grande estreia. Tecnicamente haverá jazz. E piano, sem dúvidas. Mas o resto disso irá parecer como duas horas de suco de laranja após escovar os dentes – e para dar o ponta pé inicial, uma jovem mulher animada em um impecável vestido de gala estará afogando o seu Minute Maid. Não se mova, por favor.
Com toda a orquestra nas suas costas, Gaga vem com “Luck Be a Lady”, cantando e balançando, estalando os seus dedos como os pais estressados tentando apressar crianças agitadas a entrarem no carro. Sua voz soa tão brilhante, é quase escaldante, e quando ela recebe a todos na festa com o seu sotaque de Nova Iorquino, ela cita Cole Porter como se ela estivesse morrendo de vontade de testar sua máxima: “Vale tudo!”
A Gaga não dirigiu um Transformer neste mesmo palco na noite anterior? Por que isso parece que foi a milhões de distância daqui?
Isso deve ter tudo a ver com o descontrolável metal da sua voz, que ameaça exagerar cada canção no início apenas para abrir um buraco no final. Ela esfria um pouco quando seu tutor de 92 anos Tony Bennet se materializa para um dueto, mas por outro lado, em vez de afundar nessas músicas – “Lush Life”, “Fly Me to the Moon”, “New York, New York”- Gaga só pode explodir com elas. E quando ela explode, as chamas são absurdamente bonitas.
Durante as mudanças de figurino, vídeos intersticiais são projetados nos quais nossa graciosa anfitriã explica como cresceu embevecida com a voz de Billie Holiday, e como ela ainda se espanta com o fato de certas páginas do Great American Songbook poderem “durar um século”. Esta seria a espiada mais clara da noite do que há no cérebro não mapeável de Gaga. Ela se importa com durabilidade. Essas músicas tem valor porque elas sobreviveram.
E isso certamente é interessante, mas isso não torna menos impossível de descobrir porque Lady Gaga acha isso uma coisa legal de se fazer. Mas, oh, ela faz, boopity-bop-do-bop . . . pahhhh e seu comprometimento é total, fazendo toda a produção parecer como uma alucinação agressiva que você não quer que acabe. É uma reversão completa da noite anterior. Nós somos aqueles estatelados e encarando enquanto a Gaga tem a noite da vida dela. Tudo está definitivamente acontecendo.
Aqui seria um lugar muito bom para a Gaga ficar. Ela claramente quer viver eternamente e esta é a cidade que o tempo para. Las Vegas vai melhorar sua visão e sua visão já está melhorando Las Vegas. É a combinação perfeita.
Por um lado, suas ideias não enferrujam sob a cúpula do prazer. Ela pode continuar cantando suas músicas Warholianas* sobre o magnetismo divino da fama enquanto o mundo exterior apodrece nas mídias sociais.
Ela pode continuar enganando aqueles paparazzi bandidos enquanto o resto de nós descobre como viver no estado de vigilância digital. Ela também não terá que continuar mudando suas personas (só os figurinos), e seu canto rápido demais sempre impedirá que suas músicas fiquem mofadas, quer tenham sido escritas em 2016 ou 1916.
Mais importante, Las Vegas é o único lugar neste vale de lágrimas onde uma artista de palco pode ter uma chance legítima de ser tudo para todos sem tornar o trabalho de sua vida num prolongado ato de auto-aniquilação.
Gaga chegou em Las Vegas no auge de sua popularidade para se proteger do esquecimento? Claro que parece isso. E agora que ela está aqui, ela fez um pivô. Sua música costumava ser um enigma sobre o que é falso e o que é real. Mas aqui (Las Vegas, Nevada), e agora (2019 dC), parece mais uma negociação entre o passado e o futuro.
Se ela realmente quer falar com a condição humana coletiva, este é o único jeito. Todos nós vivemos juntos no tempo. E se o passado e o futuro pesam a cada momento, por que não ir até Las Vegas para tentar fazer com que essa sensação pesada pareça leve? Ela está presa por dois anos com a MGM – ou, como ela se gabou no palco, “Três, se eu quiser”. E ela quer. Esta é a cidade dela agora.
*Nota de tradução: referência ao pintor Andy Warhol
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Tradução por Vanessa Braz de Queiroz e Laíza Coelho
Fonte
Revisão por Kathy Vanessa