Desde o lançamento de seu mais recenete álbum de estúdio, "MAYHEM", Lady Gaga vem colhendo aclamação mundial. O disco consolidou-se como um dos maiores sucessos de sua carreira recente, ultrapassando a marca de 5,2 bilhões de streams globais e garantindo à artista diversas indicações ao Grammy 2026, incluindo Álbum do Ano e Gravação do Ano por "Abracadabra".
O projeto trouxe de volta a essência pop experimental de Gaga, mesclando elementos de funk, eletrônico e industrial em uma fusão que redefiniu os limites do gênero. Os singles "Abracadabra" e "Die With A Smile", parceria com Bruno Mars, dominam as paradas e só reforçam o impcato permanente de Lady Gaga na industria musical.
Agora, consolidando ainda mais esse momento de renascimento artístico, Lady Gaga é a nova capa da edição “Vozes do Ano” da revista Rolling Stone americana, publicada nesta quarta-feira (13). A matéria, intitulada “O renascimento de Lady Gaga”, traz um ensaio visual deslumbrante e uma longa entrevista na qual a cantora reflete sobre o processo criativo de "MAYHEM", a "MAYHEM Ball Tour" e sua atual fase pessoal, e seu relacionamento com o noivo Michael Polanky.
Na conversa, nossa Mother NMonster fala sobre reencontrar a paixão pela música, o equilíbrio entre arte e fama e o peso da autenticidade. “Por muito tempo eu quis provar algo. Agora eu só quero sentir, e fazer com que as pessoas sintam também”, afirmou à Rolling Stone.
Confira a tradução completa abaixo:
Como Lady Gaga se reencontrou: “Me sinto sortuda por estar viva”
A popstar fala sobre voltar do fundo do poço, encontrar o amor e criar um dos maiores álbuns de sua carreira
Todas as noites, em sua atual turnê, no momento em que surge no palco como Lady Gaga, empoleirada sobre um vestido carmesim de mais de quatro metros de altura, Stefani Germanotta começa a entrar em pânico. No centro do cenário em forma de casa de ópera, duas camadas de cortinas se abrem, revelando aquela crinolina gloriosa e absurda, do tamanho de um penhasco vermelho, e a pequena mulher abrigada dentro dela. Cerca de vinte mil Little Monsters, agora adultos, gritam pela luz-guia que lhes disse, quando mais precisavam, que eles nasceram assim. Eles ainda precisam disso.

Fotografada em Los Angeles em 23 de setembro de 2025, lá no alto, acima da multidão, ela se sente tonta, ciente demais do coração acelerado. Enquanto o vestido desliza e a banda ataca os primeiros acordes da noite, ela se apoia na onda de adrenalina que um dia pareceu ser seu motivo para viver. “Quando não estou no palco, me sinto morta”, ela me disse em nosso último encontro, há 14 anos e várias crises de saúde mental, antes de ter feito qualquer terapia. “Se isso é saudável ou não… não me importa.” Na época, ela se gabava de não dormir, de quase não comer, de viver “de café e música”. Namorava intermitentemente um barman metaleiro mal-humorado, a quem chamava de musa. Todos ao seu redor a chamavam de Gaga.
Ela estava prestes a finalizar seu segundo álbum, Born This Way, que venderia 14 milhões de cópias. Era fácil imaginar que dali em diante sua carreira seguiria em uma ascensão constante. Mas o álbum seguinte, Artpop, trouxe sua primeira queda. Embora mais tarde os fãs o adotassem como um favorito, a crítica foi hostil, as vendas caíram, e Gaga enfrentou a primeira onda de rejeição da carreira, em um momento já frágil. Ela vinha reprimindo um trauma desde os 19 anos, quando, segundo relatou, foi estuprada por um produtor musical. Na era Artpop, esse trauma começou a vir à tona.
Ela tentou fugir de tudo, mas ainda assim criou alguns de seus maiores sucessos. Gravou álbuns de jazz com seu amigo Tony Bennett, brilhou com “Lush Life”, composição de Billy Strayhorn que Frank Sinatra considerava impossível de cantar. Tornou-se estrela de cinema, mergulhando em atuações emocionalmente transparentes que contrastavam com as múltiplas camadas de suas personas musicais. Fez a trilha sonora de Nasce Uma Estrela, experimentou com o country alternativo de Joanne, tudo, menos um álbum pop tradicional da Lady Gaga.
Mesmo com o show do intervalo do Super Bowl, Globos de Ouro e um Oscar, sua mente estava desmoronando. “Eu fiz Nasce Uma Estrela enquanto tomava lítio”, ela revela casualmente. Durante a turnê Joanne, logo após filmar o longa, ela teve o que descreve como um colapso psicótico. “Teve um dia em que minha irmã disse: ‘Eu não vejo mais a minha irmã’. E eu cancelei a turnê. Fui internada para tratamento psiquiátrico. Precisava parar. Não conseguia fazer nada… eu desmoronei completamente. Foi assustador. Houve um tempo em que achei que não iria melhorar... Me sinto muito sortuda por estar viva. Pode soar dramático, mas sabemos como essas histórias podem terminar.”

Ela se reergueu, com muita ajuda do noivo, Michael Polansky, um empresário formado em Harvard, de olhar gentil, que nunca a chamou de outra coisa senão Stefani. “Estar apaixonada por alguém que se importa com quem eu realmente sou fez toda a diferença”, diz ela. Mas isso exigiu um novo aprendizado: “Como aprender a ser você mesma com alguém, quando você nunca soube ser você mesma com ninguém?”
Agora, ela encontrou essa resposta. E se considera “uma pessoa saudável e completa”. Em março, lançou Mayhem, um dos álbuns mais aclamados de sua carreira, retomando toda a sua essência musical, em todas as suas formas, após anos tentando se afastar dela. O disco está indicado a sete Grammys, incluindo Álbum do Ano. “Foram meses e meses redescobrindo tudo o que eu havia perdido”, conta. “E acho que é por isso que se chama Mayhem, porque o que foi preciso para recuperá-lo foi uma verdadeira loucura.”
A turnê que acompanha o álbum, The Mayhem Ball, é um dos maiores espetáculos de sua carreira, mas as primeiras apresentações deixaram claro o quanto ela mudou. “Não sou mais viciada em adrenalina”, ela diz. “Eu costumava amar essa sensação.”
Agora, ela reage como qualquer pessoa equilibrada reagiria se fosse lançada diante de uma arena lotada, espremida dentro de um figurino gigante da Lady Gaga. “Vejo todos os fãs”, diz ela, olhos arregalados, “e estou nesse vestido enorme, a música está altíssima e é tudo tão dramático... e por 90 segundos, preciso me convencer a não ter um ataque de pânico.” Polansky, ouvindo o áudio do microfone dela, às vezes percebe sua respiração ofegante.
A sensação dura toda a primeira música: “Entro em pânico um pouco durante ‘Bloody Mary’.” Mas logo vem o sucesso “Abracadabra”, que pode muito bem ter superado “Bad Romance” como a música mais “Gaga” já gravada, com um refrão triunfante repleto de autêntico dialeto Mother Monster: “Abracadabra, morta-ooh-ga-ga / Abracadabra, abra-ooh-na-na!”
De alguma forma, toda vez que ela começa a coreografia dessa música, sua frequência cardíaca desacelera e ela se lembra de quem é. Todo o treinamento, de todas as turnês, entra em ação. “O ensaio de mim mesma me salva”, explica. “Cada célula do meu corpo diz: ‘Você sabe o que fazer’.” É nesse ponto que ela geralmente olha para a plateia e grita: “Put your fucking paws up!”. Sim, Stefani.

“Ela não é só Gaga nem só Stefani”, diz Polansky. “Ela é as duas, e elas se encaixam muito melhor do que as pessoas imaginam.”
Ela mesma explica de outra forma: “Lady Gaga é a pessoa que criou Lady Gaga”, diz, com um leve riso. “Acho que estou mais tranquila em relação a tudo. Tipo, eu sou a Lady Gaga. Essa ideia de que isso precisa significar algo específico? Acho que era uma história antiga que eu contava a mim mesma. E hoje... não me importo mais com o nome que dão. É só eu.”
Às vezes, porém, não é tão simples assim. Numa tarde de julho, oito dias antes do início da turnê, três Lady Gagas tomam conta de uma arena vazia em Las Vegas, transformada em seu próprio teatro de ópera. Uma está lá no alto, vestida de vermelho, imóvel. Outra, de collant, ensaia uma coreografia perto da passarela. A terceira observa tudo, na penumbra.
A Gaga de vermelho é uma das dançarinas da turnê, Jessica Toatoa, pequena, loira, e surpreendentemente parecida com a original. No espetáculo, ela interpreta o lado sombrio da cantora, Mistress of Mayhem, enquanto a verdadeira Gaga assume às vezes o papel oposto: o lado luminoso, a Ethereal Gaga. A Gaga de collant é outra dançarina, China Taylor, que serve de duplo para que a artista observe o show de fora. (“O espetáculo é criado por quem está na plateia”, ela costuma dizer.)
“Vamos colocar mais fumaça no palco”, diz a Gaga real pelo microfone, no escuro. De touca e roupas pretas, com uma calça rasgada e meias arrastão, ela parece mais Stefani do que nunca, o mesmo visual que adota ao final de cada show, quando surge sem maquiagem, despida dos personagens. Polansky chama essa versão de A Artista. Ele a acompanha em silêncio, também de preto, e é creditado como codiretor criativo e produtor executivo da turnê.
A fumaça se espalha, luzes estroboscópicas tingem tudo de vermelho, e os sintetizadores ecoam graves. Mais até do que o show final, esse ensaio, com múltiplas Gagas coexistindo, parece uma janela para o subconsciente da artista. “Você não está errado”, ela dirá depois. “É um sonho gótico e totalmente ligado ao romance interno com o qual lutei a vida toda.”
Naquele dia, o objetivo é um só: incorporar uma nova versão de “Shallow” à turnê, inspirada em O Fantasma da Ópera. “Levá-la até o palco B é sempre um desafio”, comenta Polansky. A solução? Uma gôndola. A equipe só precisa construir uma e descobrir como levá-la até o piano do outro lado da passarela. (Eles resolveram o problema de forma simples: colocaram rodas e deixaram os dançarinos empurrarem.)
“Cantar Shallow num barco é tão brega”, diz Gaga, rindo. “É meio ridículo! Eu pensei: ‘Esse é o desafio perfeito, porque isso pode ficar realmente ruim’.” Ela também queria trazer Shallow para dentro de seu próprio universo estético pela primeira vez, já que a versão original refletia muito o contexto cinematográfico do filme. “Ela não tem o meu estilo característico”, comenta. Gaga lembrou que Mark Ronson, um dos compositores da música, havia criado uma batida eletrônica que ficou de fora da gravação final, depois de mandar uma mensagem para ele, ele a recuperou e enviou de volta.
Agora, a canção começa com um baixo eletrônico pulsante, que transforma completamente o seu clima e estilo. “Acho que isso trouxe à tona o fato de que o relacionamento de Ally e Jackson era, na verdade, meio sombrio”, diz Gaga. “Nessa versão, eu tenho a sensação de que algo muito assustador pode acontecer.”
“Venha comigo”, diz Gaga, conduzindo-nos por corredores de concreto até seu santuário nos bastidores, coberto por cortinas e carpete. A decoração é minimalista: uma TV grande em uma caixa de estrada, uma mesa posta para um jantar a dois, fotos emolduradas dela e Polansky, alguns livros de mesa (Italian Chic, Vanity Fair: 100 Years). Sentamo-nos em duas poltronas de veludo, com uma vela não acesa da Le Labo (Santal 26) entre nós.
Em encontros anteriores, Gaga se sentia mais à vontade sendo seguida em ação do que em entrevistas introspectivas. Desta vez, mergulha fundo logo de início. “O show é um espelho dos meus sonhos e da minha própria jornada”, explica. A turnê tem uma narrativa simbólica, que mistura sonho e realidade, permitindo que ela atue e improvise dentro de um espetáculo pop. “Nunca interpretei dessa forma em um palco de arena”, diz. “É diferente a cada noite.”
Ela conta que chorou após uma das apresentações e disse a Polansky que algo novo havia acontecido: “Depois que cantei ‘Million Reasons’ para Mayhem, ela ficou com medo de mim.”
Gaga tenta resumir a história: “Mayhem é como eu começo o show”, explica. “É o meu lado mais egocêntrico, o lado de ser Gaga que eu mais detesto. Eu basicamente anuncio que sou a rainha e coloco uma versão mais ingênua e jovem de mim mesma em um sono profundo, com o desejo de torturá-la, como uma forma de ensiná-la a ser grandiosa. Ethereal Gaga gosta disso. Ela se entrega a essa loucura gótica, e Mayhem fica chocada, porque sua intenção era ensinar uma lição, e não se perder junto dela. O que ela queria não sai como planejado.”


Há, claro, um tom autobiográfico evidente. “Acho que talvez as pessoas não saibam o quanto eu era sobrecarregada quando jovem”, reflete Gaga. Lembra-se do relato de uma ocasião em 2009, quando, após horas de gravação, sem voz, insistiu em cantar seis músicas extras para um vídeo promocional qualquer. “Eu acreditava em sofrer pela arte. Acreditava nisso de forma quase doce, mas nada saudável para mim.”
Durante a gravação de Mayhem, Gaga sonhava com “essas diferentes versões de si mesma”. Em “Perfect Celebrity”, ela canta sobre “um clone dormindo no teto”, e em “Disease”, sua face sombria narra a música: “Você é tão atormentada quando dorme / Assombrada por todas as suas memórias.”
Ela já tinha visões semelhantes antes, inclusive em 2011, quando contou ter sonhado “com algo maligno dentro de si” e que precisava expulsar esse mal como num exorcismo. “O exorcismo claramente não funcionou naquela época”, diz com ironia. Quando gravou o videoclipe de “Disease”, o personagem Mayhem nasceu. “Começamos a explorar com a coreografia essa ideia de eu estar lutando contra mim mesma”, explica. “Essa música é sobre alguém que quer te machucar, e esse alguém é você.”
O vídeo, cheio de simbolismos de terror, é um mergulho em seus pensamentos mais sombrios. Gaga aparece como um cadáver atropelado por si mesma, e tudo vai ficando cada vez mais perturbador.
Curiosamente, esse conceito só tomou forma por causa de seu filme mais recente, Joker: Folie à Deux, lançado no ano passado e recebido com enorme rejeição. “Havia muita negatividade em torno de Joker”, diz. “Acho que eu estava me sentindo artisticamente rebelde.”
Apesar das críticas, Gaga recebeu elogios por sua atuação como Harley Quinn, uma mulher trágica e delirante. Mas o resto do filme foi massacrado. Fãs do Joker original repudiaram a sequência por seu tom ousado, “um semi-musical surreal sobre doença mental, com um segmento animado”, como descreve a Rolling Stone.
E isso a abalou? “Não é que eu tenha ficado imune”, ela admite, sorrindo. “No começo, eu ria, porque tudo estava tão fora de controle. Mas depois, quando demora para o burburinho passar, começa a doer um pouco mais, só porque eu coloquei muito de mim ali.”
O clipe de “Disease”, então, foi a resposta dela a tudo isso. “Eu coloquei toda aquela energia nesse vídeo”, diz. “Era como se eu dissesse: ‘Vou mostrar quem eu sou e o que essa luta significa.’”
Mas o processo mexeu profundamente com ela. “Quando terminamos de filmar, entrei num estado mental bem pesado. Acho que assustei a mim mesma. Por semanas fiquei incomodada. Aquilo não saía da minha cabeça. Eu tentava entender o que estava dizendo. Há uma parte de mim que tem medo da outra parte. E acho que percebi que ainda não tinha terminado de me curar.”
No show do Coachella, em abril, ela trouxe esse conflito interno para o centro do espetáculo. “Decidi transformar isso em algo que todos pudessem entender e amar”, diz. “Não precisava ser a coisa mais sombria que eu já fiz. Isso seria Mayhem falando: ‘Preciso ser obscura’. Mas o que é esse impulso dentro de mim de sempre ter que ser a mais intensa, a mais ousada?”
Ela ri quando o repórter comenta que, ainda assim, colocou um tema que a desequilibra emocionalmente no centro de uma turnê mundial. “Você acabou de me analisar completamente”, brinca. “É bem o tipo de coisa que eu faria, ter uma experiência traumática e girar tudo em torno dela.” Mas, para Gaga, “o desconforto, em qualquer área da vida, pode te tornar melhor. Você só precisa se permitir atravessá-lo.”
O clipe de “Disease” atinge o auge do horror quando Mayhem, mascarada e com um figurino de bondage, vomita um líquido preto espesso. Logo em seguida, Ethereal Gaga a abraça e canta: “Eu posso curar a sua doença.”
A imagem remete diretamente a 2014, quando Gaga apresentou “Swine” no SXSW e uma artista plástica vomitou tinta sobre seu corpo, um ato que gerou polêmica e acusações de “glamourizar a bulimia”. Na época, Gaga tentou explicar que o gesto era uma forma de processar o trauma do abuso sexual que sofreu, mas poucos quiseram ouvir. A rejeição à era Artpop mudou o rumo de sua carreira. “Sim, teve um impacto enorme”, admite. “Foi muito mais profundo do que qualquer outra crítica que já recebi. Aquilo foi difícil... foi a primeira vez que eu tive uma grande rejeição a uma obra minha.”

Em outubro, em uma pausa breve da turnê, Gaga está de volta ao Village Studios, em Los Angeles, o mesmo lugar onde Mayhem nasceu. Sentada em uma poltrona de couro preto, usando um blazer oversized, uma camiseta do Social Distortion e botas de salto, ela se recupera de um resfriado, mas sorri animada. A turnê finalmente reflete sua visão, e ela acaba de ser eleita Artista do Ano no VMA.
“Já fiz muitos shows”, diz, com um ar calmo. “E, pela primeira vez em muito tempo, me sinto realmente bem.”
Em algum momento de 2023, Lady Gaga se sentou ao piano Steinway no canto deste mesmo estúdio e começou a compor o que se tornaria a primeira faixa gravada de Mayhem, a ousada canção de amor “Vanish Into You”, em parceria com o produtor Andrew Watt.
Eles haviam se conhecido alguns meses antes, enquanto Watt trabalhava no álbum dos Rolling Stones, Hackney Diamonds (vencedor do Grammy). Gaga estava por perto, gravando músicas relacionadas ao filme Joker, quando Mick Jagger a convidou para o estúdio. Naquele dia, os Stones estavam registrando uma balada gospel poderosa, “Sweet Sounds of Heaven”, com Stevie Wonder nos teclados. Watt criou coragem e colocou um microfone nas mãos dela. Em poucos minutos, a canção se transformou em um dueto.
“Ela entrou na sala de gravação”, relembra Watt. “Foi a primeira vez que vi, ao vivo, além dos shows, a coragem absurda que ela tem. Sim, ela é a Lady fucking Gaga, mas eles são os Rolling fucking Stones, e o Stevie fucking Wonder! Ela tinha ouvido a música duas vezes. Mick entregou a letra, e ela simplesmente começou a sentir o ritmo.”
Gaga e Michael Polansky mantiveram contato com Watt e o chamaram quando decidiram começar o novo álbum. O trio acabou se tornando coprodutor executivo de Mayhem. Durante o processo, Watt sugeriu trazer o produtor e programador Cirkut, e os quatro iniciaram um ano de colaboração intensa. Foi nesse período que Gaga finalmente retornou ao centro de seu próprio universo artístico, depois de anos de desvios criativos que, segundo ela, tiveram origem direta nas consequências de Artpop.
“Eu coloquei tudo de mim em Artpop”, diz Gaga. “Foi o meu épico eletrônico, o meu opus de EDM. Mas também foi uma época muito caótica. Às vezes é difícil se firmar no chão quando ele está afundando, entende?”
O álbum e as decisões em torno dele não entregaram o que o público esperava. “As pessoas não gostam quando eu digo: ‘Não vou me vestir do jeito que vocês querem. Não vou usar o cabelo que vocês querem. E não vou fazer pop do jeito que vocês querem. Vocês querem que tudo soe como Bad Romance, e eu nunca mais vou fazer isso’.”
Com o tempo, Gaga percebeu o machismo evidente nessa reação. “Quando artistas homens se recusam a se repetir, são celebrados como visionários, ‘mentes radicais explorando novos territórios’. Ninguém exige que eles se agarrem aos louros do sucesso anterior”, afirma. “Comigo, me trataram como se eu tivesse acabado.” Ela tinha, na época, apenas 27 anos.
Em sua cabeça, o mundo passou a tratá-la como um produto, não como uma artista. “Era de todos os lados, em todas as salas, em todos os lugares. Produto, objeto, negócio. ‘O que dá pra fazer ela fazer? Ela topa isso? Podemos convencê-la daquilo?’ Quando eu virei um grande negócio para as pessoas, a prioridade deixou de ser garantir que eu tivesse uma experiência artística digna, e passou a ser me fazer lucrar o mais rápido possível. Chegou um ponto em que eu entrava nas salas e não havia mais instrumentos. Era só sobre tentar me controlar como uma peça de negócio.”


Então, ela simplesmente saiu desse mundo, deslizando para o que chama de “departamentos paralelos”, com a ajuda inicial de Tony Bennett e Bradley Cooper. “Uma das maneiras que encontrei de me afastar de conversas difíceis foi abrindo meu próprio caminho. Continuei criando espaços onde eu pudesse estar no controle. ‘Talvez, se eu fizer isso, eu deixe de ser um objeto.’”
E hoje ela reconhece: precisava de todos esses desvios. “Eu jamais teria feito Mayhem sem os 10 anos de experiência que tive”, diz. “Quase 30, se contar toda a minha vida com música. Como seria Mayhem se eu não tivesse me tornado uma cantora de jazz? Ou se eu não tivesse feito Artpop?”
Em 2020, veio Chromatica, sua primeira tentativa de retorno ao pop, com faixas poderosas como “911”, uma referência direta aos antipsicóticos que tomava na época. (Hoje, ela revela: “Ainda tomo alguns, sim, mas muito menos. Reduzi aos poucos.”) Gaga ainda tem carinho pelo álbum, mas o vê agora como um momento de transição.
“Chromatica foi muito literal, porque era tudo o que eu tinha”, reflete. “Eu não tinha mais aquele tipo de poesia dentro de mim, eu meio que a perdi. E acho que o mesmo vale para Joanne. É como se alguém perguntasse: ‘Como você está?’, e você, em vez de responder com arte, dissesse: ‘Tô uma merda’. O espírito de Chromatica era ser esperançosa mesmo quando você não está.”
Mayhem, por outro lado, veio de uma Gaga completamente diferente. “Eu estava disposta a revisitar todos os pesadelos do meu passado e do meu presente, e encontrar poesia em cada um deles”, conta. “E isso foi um sinal da minha saúde enquanto artista. Uma das coisas pelas quais mais sou grata é ter recuperado todas as minhas faculdades criativas para fazer esse disco. Precisei cavar muito fundo, mudar muita coisa na minha vida e me recentrar no que eu realmente precisava como ser humano.”
Em 2024, Michael Polansky pediu Gaga em casamento enrolando um fio de grama no dedo dela, como ela conta na música “Blade of Grass”. Depois, claro, veio a versão oficial: no estúdio em Los Angeles, brilha um anel de diamante do tamanho de um punho de bebê. “Eu ainda tenho a lâmina de grama”, ela diz, rindo. “Só não estou usando hoje!”
Polansky nunca imaginou se casar com uma popstar. “Quando conheci a mãe dela, num evento beneficente, em 2019, e ela começou a dizer que queria me apresentar à filha, achei que fosse brincadeira”, lembra o empresário, nascido em Minnesota. “Ninguém que me conhece me veria como alguém que busca atenção.”
Ela escreveu uma letra sobre ele que falava dessa diferença: “Como um homem como eu pode amar uma mulher como você?” Ou, como Polansky coloca:
“Como alguém tão reservado e que valoriza tanto a privacidade pode amar uma pessoa que transforma sua vida no completo oposto de tudo o que achava que queria?”
Para que tudo fizesse sentido, ele também teria que mudar.

“Minha mãe achava que seríamos um bom par”, conta Gaga, “ou pelo menos que eu ficaria encantada com ele.” A mãe fez questão de acrescentar: “Stefani, ele é um homem muito sério.” Ao relembrar, Gaga se emociona, a voz embarga, as lágrimas aparecem. “Desculpe”, diz ela. “É especial lembrar disso, porque, naquela época, muitas pessoas ao meu redor só queriam se divertir. As pessoas amavam a Lady Gaga bêbada.” Ela sabia que, com Polansky, “nenhum dos meus truques iria funcionar. A gente se encontraria e provavelmente teria uma conversa adulta e sincera, pra ver se realmente gostávamos um do outro. O senso de equilíbrio do Michael talvez tenha sido o que mais me atraiu nele. Ele entendeu imediatamente a seriedade das coisas pra mim.”
No passado, Gaga admite, seus problemas com o pai a levaram a más escolhas em relacionamentos. “Meu pai é um cara durão”, diz. (Quando o repórter o conheceu, ele cutucou seu peito e disse, sobre a matéria que seria escrita: ‘Mantenha isso limpo’.) “Meu pai era mais parecido comigo, vivia com aquela mentalidade de ‘viva rápido, morra jovem’. Mas ele mudou muito. E acho que eu me atraía por esse tipo de energia quando era mais nova. Mas com Michael foi completamente diferente.”
Com o novo relacionamento, Gaga acredita que o pai finalmente se sentiu em paz pela primeira vez desde que a viu incendiar um palco com spray de cabelo na adolescência. “Acho que ele sempre se preocupou muito comigo”, diz. “Agora ele sente que não precisa mais se preocupar. E é bom saber que meu pai pode descansar em relação a isso.”
Os dois continuam próximos, mesmo com diferenças políticas: o pai é um conservador declarado e apoiador de Trump, enquanto Gaga é uma democrata assumida, que cantou o hino nacional na posse de Joe Biden. “Eu tento focar na nossa relação fora do que discordamos”, explica. “Como todo mundo sabe, isso é difícil. Somos uma família, como qualquer outra.”
Quando conheceu Polansky, Gaga estava finalizando Chromatica, um álbum supostamente sobre cura, mas a realidade era outra. “Eu fumava três maços de cigarro por dia e passava o dia inteiro sentada na varanda”, conta. “Ia começar as entrevistas de Chromatica dizendo que estava em um ótimo momento, mas na verdade eu estava tão bem quanto alguém que fuma maconha o dia todo, toma umas garrafas de vinho e apaga.”
As crises mais intensas de 2017 já tinham passado, mas, mesmo em 2021, durante as filmagens de House of Gucci, Gaga ainda se sentia instável. Suas menções a uma enfermeira psiquiátrica no set, explica, não tinham tanto a ver com o papel em si, mas com o estado mental em que se encontrava. “Eu não estava bem durante aquele filme, de jeito nenhum.”
A Covid-19 chegou poucas semanas depois que o casal se conheceu. “Ela lançou Chromatica antes do planejado, mas teve que cancelar todos os shows e apresentações”, relembra Polansky. “Então, eu a conheci como Stefani, desde o início.”
Mas o que ele viu o preocupou. “O que sempre percebi foi o quanto ela se sentia sem poder”, diz. “Sem controle da própria vida. Nunca tinha conhecido alguém tão talentosa e brilhante se sentindo tão desamparada.” Ele lembra de vê-la se sentar ao piano para compor, e começar a chorar.
“Ele viu que eu estava muito distante do que eu deveria estar fazendo”, admite Gaga. “Ele quis cuidar de mim. E eu nunca tinha sido amada desse jeito. Minha vida era algo sério pra ele. Não era uma festa. Ele me ajudou a perceber que minha vida era preciosa.”

Polansky a incentivou a retomar sua música, e, em troca, ela pediu ajuda. “Como era música, acabou que eu estava ajudando ela a fazer música”, ele diz. “Mas, pra mim, se ela quisesse abrir um restaurante italiano, eu teria aprendido a fazer massa. Nunca foi sobre música, só acabou acontecendo assim.”
Gaga começou a pedir a opinião dele sobre letras e sons. “Tem um monte de versos no álbum que eu escrevi sem querer”, revela Polansky. “A gente estava trocando mensagens, e eu dizia algo tipo: ‘E se fosse assim?’, e aquilo acabava entrando na música.”
Ele ficou surpreso ao descobrir que ela o creditou oficialmente como compositor, assim como os fãs. “Fiquei muito tocado por ela querer me reconhecer”, diz. “Talvez tenha deixado as pessoas um pouco confusas vendo de fora, mas pra gente foi algo muito natural.”
As sessões de Mayhem foram longas e emocionalmente intensas. “Muitas vezes ela cantava e me fazia chorar, e ela também chorava”, diz Watt, que credita a Polansky um papel essencial para manter o equilíbrio. “Michael é incrível porque é muito centrado. A gente podia estar todos eufóricos, mergulhados na arte, e ele vinha e dizia: ‘Não gosto tanto dessa música quanto daquela outra’. Ele tinha uma energia de tipo Buda, que acalmava tudo.”
A partir daí, Gaga e o noivo passaram a trabalhar juntos em cada detalhe da turnê. “É como se dois melhores amigos estivessem vivendo a vida, mas sempre criando algo juntos”, resume Gaga.
A parceria também se estendeu aos projetos dele. Perto de Cambridge, em Massachusetts, existe uma empresa de pesquisa sobre saúde da pele, chamada Outer Biosciences, com 20 funcionários, e uma das cofundadoras é, secretamente, uma das mulheres mais famosas do mundo.
“Foi ideia dela”, conta Polansky. Gaga é oficialmente membro do conselho da empresa, mas o nome dela foi mantido em sigilo até agora. “A atenção que o envolvimento da Stefani traria não era necessária. A empresa é de pesquisa, não é voltada ao público. Meu trabalho não é público como o dela. Quando ela fala sobre sermos parceiros, parece que tudo vai em uma direção, mas ela é o maior apoio que eu poderia ter.”

O casal planeja se casar em breve, talvez durante a turnê ou logo depois. “Falamos sobre isso o tempo todo”, diz Polansky. “A gente tem essas pausas e pensa: ‘Ok, será que dá pra casar nesse fim de semana?’ Não queremos uma cerimônia muito grande, só queremos aproveitar. De certa forma, já nos sentimos casados, então não vai mudar muita coisa.”
Eles também pretendem ter filhos em breve, e Polansky se inspira em Elton John e David Furnish, cujos filhos são afilhados de Gaga. “Os filhos deles são muito felizes”, ele diz. “O mais importante é que tudo pareça natural, que seja só a nossa família. Ser a Lady Gaga e toda essa arte não é algo que ela precise separar da vida familiar.”
“Ser mãe é o que eu mais quero”, confessa Gaga. “E ele vai ser um pai maravilhoso. Estamos muito animados com isso.”
De repente, o repórter lembra de algo que Gaga disse a ele durante um jantar, aos 23 anos, quando tinha apenas um álbum lançado:
“Serei completamente Lady Gaga para sempre, até quando eu tiver um bebê.”
Ela olha nos olhos dele e ri alto:
“Eu menti”, diz, gargalhando tanto que os saltos das botas quase saem do chão. “Eu menti! Eu cresci desde então.”
???? Lady Gaga, maravilhosa, para Rolling Stone. pic.twitter.com/FmPrupvyFW
— RDT Lady Gaga (@RDTLadyGaga) November 13, 2025
A artista do ano só nos enche de orgulho!
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