Lady Gaga fez o tão aguardado retorno ao cenário musical em fevereiro com o single Stupid Love. A canção é o carro-chefe do novo álbum da cantora, Chromatica, que tem data de lançamento prevista para o próximo dia 10 de abril.

Nesta segunda-feira (16) foi divulgada a primeira capa e entrevista oficial da nova Era, produzida pela renomada PAPER Magazine. Clicada através dos olhares de Frederik Heyman, responsável pelas fotos que acompanham a entrevista, Gaga aparece nas imagens como uma figura que mistura os lados robótico e humano.

A PAPER Magazine descreve o novo álbum de Lady Gaga como o mais focado e consistente da cantora até o momento.

"Sonoramente, talvez seja o álbum mais focado e consistente de Gaga até o momento, com todas essas contribuições de produtores que se estenderá a uma tapeçaria eletrônica destemida, tecida em finalizações que não seguem regras, melodias de power-pop emocionais que estimulam uma corrente de dopamina que escorrerá pelo cérebro, com toneladas de sintetizadores brilhantes e manchados" - disse a revista.

Durante o bate papo, Gaga revela vários detalhes da vida pessoal, inspirações para a produção do “Chromatica”, além de tratar sobre colaborações no novo disco e outros assuntos.

A cantora também citou os nomes das tribos presentes no single Stupid Love, e comentou sobre o álbum ARTPOP, falando sobre como enxerga o disco nos dias de hoje e o descreve como “futurista”.

Leia a entrevista completa e traduzida:

Lady Gaga: Vida em Chromatica

"Eu concordo em estar nua com todas as pessoas neste cômodo", Lady Gaga diz, antes de tirar seu roupão Versace personalizado com seu nome em cristais nas costas. "Eu acredito que estamos fazendo arte, isso não é pornografia". Sem vestir nada — nem mesmo os saltos altíssimos que são sua marca — a estrela pop de 1,57m caminha confiante pelo set para nossa sessão de fotos para a capa e se posiciona dentro de uma gaiola com centenas de câmeras fixadas em sua estrutura. As lentes incontáveis focam na sua nudez, preparada para capturar todos os ângulos de seu corpo, enquanto ela segura uma pose e pacientemente espera por instruções. "Três, dois, um". Flash. Cada câmera dispara em união como um raio.

A cena é imediatamente chocante: Um ícone global, cuja carreira tem sido fortemente documentada por câmeras, às vezes contra a vontade dela, e cuja arte tem frequentemente sido focada na violência da cultura dos paparazzi, se submetendo à mesma tecnologia que a tornou tão querida — e a desafiou — pelos últimos 10 anos. Ela exige que o seu empresário de longa data, Bobby Campbell, toque uma música do seu sexto álbum de estúdio, e pede que ele aumente o volume: "Mais alto, por favor". No meio de uma enxurrada de barulhos de animais selvagens, referências a festas em "BC" e batidas eletrônicas intensas, Gaga adverte aos ouvintes para que "batalhem por suas vidas" na música, enquanto ela sussurra cada palavra da música para si mesma. É a única música tocada o dia todo, e ela pede que seja repetida diversas vezes.

Em controle de todas as câmeras está o artista belga, Frederik Heyman, que precisa de cada centímetro do corpo dela digitalizado em 3D para poder criar, mais tarde, um avatar da Gaga gerado pelo computador em vários ambientes digitalmente construídos. Essa sessão de fotos multimídia está de acordo com a linguagem visual aprimorada por Gaga e sua equipe para o seu novo álbum, Chromatica, que será lançado no dia 10 de abril. É nomeado em homenagem a um mundo "que celebra tudo" — onde, de acordo com Gaga, "não há uma coisa maior que a outra". No set, Gaga trabalha nesse mesmo estado de espírito, tratando todos ali como colaboradores, especialmente quando se trata de estilo. Ela especificamente rejeita usar roupas de grife da cabeça aos pés, preferivelmente abrindo a conversa para uma direção de moda "mais ‘maluca’". "Não precisa combinar, precisa ser perturbador", ela diz, apontando carinhosamente para um par de calcinhas estampadas com chamas.

Quando Heyman descreve seu plano para retratar a estrela pop como um contraste de figura meio humana/meio androide, Gaga, sempre a artista em controle da sua marca e visão diferenciada, rapidamente desafia o conteúdo por trás da ideia. "Eu não gosto de futurismo na sua essência", ela respeitosamente afirma mais de uma vez. Gaga também é obcecada com uma verdade muito mais profunda no coração do espírito de Chromatica. "Um robô me coloca acima das pessoas", ela fala. "Você acha que uma versão robótica minha é melhor que a minha versão humana?".

QUANDO NOS ENCONTRAMOS NOVAMENTE na casa de Gaga em Los Angeles no dia seguinte, seu cabelo está tingido de rosa e ela está usando uma camiseta magenta com dezenas de alfinetes, meia arrastão, calcinha e plataformas Demonia pretas enormes. Ela entra no seu estúdio de gravação privado — com uísque na mão — e me informa que outra pessoa tem usado o espaço, então ela precisará de alguns minutos para reiniciar o sistema de som. Habilmente navegando um labirinto intimidador de botões e plugs, Gaga prepara o lugar para tocar sua nova música ainda não lançada. Este é o mesmo estúdio onde ela completou Chromatica e ela me conta que uma vez já pertenceu ao músico de rock experimental, Frank Zappa. Gaga tem vivido na antiga casa de Zappa em LA enquanto o seu lugar em Malibu está passando por reformas pelo estrago causado pelo incêndio na Califórnia. Ela ainda não voltou desde os incêndios.

"Isso não é Joanne", Gaga brinca, visualizando o novo material que é um contraste ao seu discreto quinto álbum de estúdio, que a viu se aventurar em influências Americanas à la Million Reasons. Gaga, então, coloca a primeira música que ela escreveu para Chromatica: o lead single Stupid Love, uma música incansável de disco-pop que festeja na alegria boba de amar alguém. "Eu quero o seu amor estúpido", ela repete apaixonadamente no refrão — um sentimento parecido ao de Bad Romance, de 2009, apesar de que a visão de Gaga agora é muito mais saudável e independente. "Ninguém irá me curar se eu não os deixar entrar", ela canta, mais tarde dizendo: "Agora é hora de me livrar da vergonha."

Quando Gaga toca sua nova música dentro do estúdio, ela salta da sua cadeira e dança de parede a parede como se estivesse se apresentando para uma arena com milhares de pessoas; a diferença é que ela está a poucos passos de mim. Mesmo um show privado de Gaga parece ser gigante de alguma forma. Ao trabalhar com a coreografia do vídeo de Stupid Love, ela mantém o contato visual direto — apontando e dublando — antes de rapidamente girar e assistir seu reflexo no vidro da cabine de gravação. Ao final de cada música, ela está completamente sem fôlego. Está completamente claro que essas músicas são um tipo de antidepressivo para Gaga — as letras e as melodias têm aliviado suas dores torturantes e as armadilhas da fama temporariamente, como ela tweetou antes.

Gaga tem consciência de que Stupid Love vazou em janeiro, muito antes de ela ter gravado o videoclipe ou planejado que todos ouvissem a música. Ela brinca que quando os hackers tipicamente encontram seu material, eles vazam o seu preferido, o que valida sua decisão da música ser a abertura da era Chromatica. Muitos fãs acharam que ela iria acelerar tudo, mas Gaga não estava interessada em lançar qualquer coisa de forma precipitada. "Houve um minuto em que eu e meu empresário, Bobby, estávamos conversando, 'Mudamos o single?'. Acabamos de passar meses e meses desenvolvendo o vídeo e a coreografia. E eu disse, 'Não!'. Sabe porquê? Porque a música, quando é mixada, masterizada e finalizada com os visuais, e tudo que eu tenho que dizer sobre isso — quando todas essas coisas se unem de uma vez só, isso que vai ser a peça de arte que estou fazendo. Não um vazamento".

Como esperado, a "peça de arte" final de Gaga é freneticamente ambiciosa, com um vídeo gravado em iPhone e 50 dançarinos que gravaram por dois dias diretos no deserto quente e seco da Califórnia. No vídeo, seus Kindness Punks — vestidos no mesmo tom de rosa chiclete que Gaga usou no estúdio — correm para separar um briga entre tribos diferentes segmentadas por cores. Gaga se apresenta como uma líder guerreira, com o símbolo de Chromatica na sua testa como um terceiro olho e acessórios que lembram armaduras, desde um cinto cheio de espinhos até um escudo no rosto. Além dos Kindness Punks, do qual Gaga é um membro, há os Freedom Fighters, em azul, os Junkyard Scavengers, em preto, Government Officials, em vermelho, Eco Warriors, em verde e Cyber Kids, em amarelo. No final, eles todos encontram a paz mútua e dançam juntos como um espectro completo.

Essa experiência, diz Gaga, mais tarde provou sua apreciação recém descoberta pelo poder da natureza sobre a tecnologia. Antes de gravar, Gaga ensaiou por três dias e seus dançarinos imediatamente a acompanharam também com cinco deles. Seu coreógrafo de longa data, Richard Jackson, que é responsável pelas coreografias desde Telephone a Applause, tinha o desafio de criar e ensinar danças que teriam a duração de Stupid Love, sem parar. Gaga se gaba, "Eu quero que você imagine pessoas dançando por oito ou 10 horas diretas. Eu assisti eles trabalharem tão duro — o sangue e o suor. Arranhões por dançarem no deserto ou serem espetados por um cravo que bateu no rosto. Eles estão respirando na areia, não conseguem ver. As condições em si eram ridículas".

Após um ensaio extenso, um drone foi finalmente usado para filmar a cena no local, mas não tinha a mesma energia que a Gaga e seus dançarinos. “Aquela maldita coisa só durou três minutos e meio antes de apagar”, Gaga riu, “Eu estava tipo, ‘Ah mas você está cansado? A coreografia é muito difícil para você?’. E eu tive outra epifania: Eu disse, ‘Eu nem posso confiar neste drone para capturar uma gravação para mim. Mas e os dançarinos atrás de mim? Os seus corpos estão matando-os, todos eles pareciam que iam desmaiar. Isso é mais poderoso que qualquer coisa. O espírito humano é extraordinário’. Eu disse aos dançarinos antes de irmos para o deserto, ‘Isto deve ser a coisa mais difícil que vocês já fizeram, e se não for, eu fiz errado. Mas você podem fazer isso, e quando você olharem para trás, para este momento, vocês todos irão se lembrar de quão fortes são”.

Enquanto gravava Chromatica, Gaga disse que frequentemente “não conseguia levantar do sofá” por causa das suas dores extremas que vão das cabeça aos pés. Mas BloodPop®, o produtor de sucesso que a Gaga descreve como o “centro” do seu novo álbum, constantemente a encorajava para seguir em frente e criar. “Ele era tipo, ‘Vamos lá, vamos lá. Nós estamos indo fazer música’. E talvez eu estava chorando ou desabafando sobre algo que estava acontecendo na minha vida ou da depressão que estava sentindo”. Juntos eles co-escreveram músicas que trouxeram temporariamente alegria a Gaga. “Eu começava o dia muito para baixo, mas terminava o dia dançando, olhando no espelho, treinando meus passos, cantando junto”, ela disse. “Todo dia era uma experiência iluminada, mas tinha que acontecer todos os dias”.

Gaga tinha 19 anos quando ela foi estuprada repetidamente por um cara anônimo que ela conheceu na indústria do entretenimento - um incidente que ela falou abertamente durante a Oprah’s 2020 Vision Tour. Como consequência, a musicista desenvolveu TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático), agravado pela sua decisão de não procurar tratamento desde cedo. “Eu não tinha um terapeuta”, disse Gaga para Oprah em janeiro, “Eu não tinha um psiquiatra. Eu não tinha um médico para me ajudar a passar por isso. De repente me tornei uma estrela e estava viajando pelo mundo, indo do quarto de hotel para garagem, limusine e palco. E eu nunca lidei com isso”, em vez disso Gaga disse que “costumava se cortar” como um meio de lidar com tudo que provocava sua dor. “Eu tenho cicatrizes”, ela disse a Oprah.

Depois de anos se negando a processar o seu estupro, o corpo da Gaga finalmente disse “chega” em 2013. Little Monsters se lembrarão de um vídeo que captura o momento exato que a Gaga quebrou seu quadril enquanto apresentava Scheiße em Montreal durante a turnê Born This Way. Ela soltou um grito estridentemente assustador, lentamente se abaixou no chão e, de alguma forma, ainda reuniu forças para completar a difícil coreografia da música. Todas as outras datas da tour foram canceladas enquanto Gaga se recuperava em particular.

Em 2017 Gaga foi diagnosticada com uma doença chamada fibromialgia, que a deixa com dor crônica no corpo inteiro como resposta ao trauma, recriando a doença que ela diz sentir depois que foi estuprada. “O debate em torno da fibromialgia, poderíamos ter por horas”, Gaga disse com naturalidade. “Algumas pessoas acreditam nisso, outras não. Essencialmente é uma dor neuropática: meu cérebro fica estressado, meu corpo dói”. Nos últimos anos, Gaga ficou certamente com raiva por ter soluções limitadas para viver confortavelmente com a dor. “[Eu] estou com raiva do meu corpo, raiva da minha condição, raiva que quando eu me estresso meu corpo dói”, ela disse.

“Eu sei como é ficar com dor. E eu também sei como é não deixar que isso arruíne a sua vida” - Lady Gaga.

Ela descreve como algo chamado de “aceitação radical” como um meio para fazê-la passar por esse período sombrio, “No qual você tem que aceitar radicalmente que você não irá se sentir muito bem todos os dias. Alguns dias são piores, outros não. Mas sabe o que podemos fazer? Eu posso pensar, ‘Bem, minhas mãos funcionam, meus braços funcionam, mesmo que estejam doloridos, minhas costas funcionam, meu cérebro funciona, meu coração funciona, eu estou respirando, meus pulmões funcionam’. Você pode ser grato por o que pode fazer”.

Chromatica pode ser vista como um reflexo desta aceitação radical, é um álbum que Gaga descreve como “dançando através da sua dor”. Apresentando hinos explosivos que transbordam clímax eufórico de synth-pop (muito maior do que The Fame), suas letras mais do que nunca refletem suas experiências mais sombrias e pessoais. “É um golpe no rosto durante todo o álbum”, Gaga disse em tom de comemoração. “Nós não paramos de ser felizes. Você ouvirá a dor na minha voz e em algumas letras, mas será sempre uma comemoração”.

Ainda assim, Gaga reconhece a idiotice da felicidade inabalável (e o fato que o pop, e o mercado musical em geral, é projetado para vender essa mentira). “Me dê um tempo, [a felicidade] não é simples”, Gaga disse. “Eu tenho depressão clínica. Algo está acontecendo no meu cérebro que a dopamina e serotonina não estão disparando da mesma maneira, e eu não consigo chegar lá. Se alguém diz, ‘Vamos lá, apenas seja feliz’ eu meio que fico, ‘Você que seja malditamente feliz’”.

Com Chromatica, no entanto, Gaga quer apresentar uma ideologia que sugere que é possível sentir alegria, mesmo que no momento você também esteja passando por um experiência de dor - como colocar um filtro de alegria na vida. “Eu irei fazer o que for preciso para fazer o mundo dançar e sorrir”, ela diz. “Eu quero colocar uma música que force as pessoas a se alegrarem mesmo nos momentos mais tristes. E, a propósito, não estou de pé aqui com uma bandeira dizendo, ‘Estou completamente curada, tudo é perfeito. Não é, é uma luta o tempo todo. Eu ainda trabalho comigo mesma constantemente. Eu tenho dias ruins, tenho dias bons. Sim, eu vivo em Chromatica, levou um minuto para chegar aqui, mas não quer dizer que eu não lembre o que aconteceu. Então, se você está com dor e ouvindo esta música, apenas saiba que eu sei como é sentir dor. Eu também sei como é não deixar isso arruinar a sua vida”.

É claro que você poderia dizer que a música de Gaga “tem feito o mundo dançar e sorrir” desde do primeiro dia. Frequentemente, a exuberância que ela faz as pessoas sentirem está enraizada em sua ligação com a inclusão e a igualdade - temas constantes ao longo da carreira de Gaga, desde sua oposição inicial às forças armadas dos EUA com a lei discriminatória Don't Ask Don't Tell (“Não Pergunte, Não Conte)” (revogada em 2010), com o seu épico Born This Way, lançado em 2011, “No matter gay, straight or bi, lesbian, transgender life” ["Não importa se você é gay, hétero ou bi, lésbica ou trans"], ela canta na faixa-título que acabou inspirando na criação da Born This Way Foundation, “Para um mundo mais gentil e valente”.

Mas outro motivo recorrente sempre foi uma fixação pelo futuro. No videoclipe dirigido por Nick Knight para a faixa-título de Born This Way, Gaga dá a luz a uma nova raça “infinita” que “não tem preconceito nem julgamento, mas liberdade ilimitada”. Como personagem de Mother Monster ela ficou grávida de uma gosma extraterrestre, morando em G.O.A.T. ("Government-Owned Alien Territory" - um “território extraterrestre de propriedade do governo” no espaço) e descrevendo a “mitose do futuro” em relação à sua fantasia da milícia contra o ódio.

Quase uma década depois, Gaga agora diz que "estamos vivendo no futuro", e é por isso que Chromatica - como um conceito - parece o resultado de cada semente plantada inicialmente no intergalático G.O.A.T.. Em seu estúdio, Gaga esclarece sua postura atualizada sobre o futurismo e as razões pelas quais ela queria questionar no set. “Eu estou obcecada com o futuro há muito tempo, e aí, o que vem agora?”, ela diz. “E então eu me virei e olhei para minha vida. Eu desempacotei todas as coisas que aprendi e que me ajudaram, machucaram e que me ensinaram infinitamente mais. Agora, [o passado] participa do meu trabalho. É como se eu estivesse bloqueada porque estava tão obcecada com o que vinha depois, o que estava vindo, o que significava seguir em frente que eu não percebia que eu já estava no futuro. E onde estamos, onde estamos no presente, é poderoso”.

Hoje, Gaga diz que vive em Chromatica, que, ao contrário da G.O.A.T., não é um local fictício. "É uma perspectiva", corrige Gaga, apontando para o seu coração. "Está bem aqui. Pode parecer bobagem, mas estou nisso agora - não estou em outro planeta. Se você vê e ouve Chromatica e quer morar lá também, está convidado. Mas eu quero deixar claro que não é uma fantasia”, Gaga explica. Sinceramente, é como se ela "excluísse a Terra" e "a substituísse por Chromatica" em sua mente, fazendo com que esse processo abstrato, sem dúvida absurdo, pareça realista. É certo que também quero estar em Chromatica com a Gaga. Talvez eu esteja?

Ela criou o nome ao lado de BloodPop®, que já trabalhou com Gaga em Joanne, além de artistas como Justin Bieber, Grimes e Madonna, entre outros. Juntos, eles sentiram que Chromatica representava, na sua forma mais simples, "um espectro de pessoas" que "compartilhavam a mesma perspectiva" e sempre acreditavam na "bondade sobressaindo-se sobre a guerra". Mas Gaga queria que sua essência se aprofundasse ainda mais. "Não se trata apenas de dizer que todas as pessoas estão inclusas (todas as cores, todas as raças, todas as etnias, todas as identidades de gênero, todas as identidades sexuais, todas as identidades religiosas)", diz ela. "Isso é falar que há mais cores e mais tipos do que poderíamos imaginar. Somos todos tão diferentes e é esta a perspectiva”.

Mas Gaga reitera que Chromatica não é "estar em uma terra feliz, imaginária, de conto de fadas, no qual tudo é perfeito", e entende a inevitabilidade da escuridão coexistindo com a luz. "Para entender o amor, você precisa entender que há ódio", diz ela, em outro paralelo ao G.O.A.T. e ao vídeo para Born This Way, quando a Mother Monster questiona: "Como posso proteger algo tão bom sem o mal?". Por mais que Gaga continue a reconciliar essas forças opostas em Chromatica, ela também precisava lutar contra essa dualidade em sua própria vida e enfrentar seu trauma preexistente, o que ela diz ser o "passo mais corajoso que você pode dar como humano".

Fazendo referência a amigos íntimos que lutaram para encontrar maneiras saudáveis de lidar com suas próprias dores, Gaga explica o que a fez perceber o quão difícil é processar honestamente o seu passado. "Não posso dizer quem, mas conheci pessoas que me disseram, enquanto bebiam garrafas e garrafas de vinho e usavam drogas: 'Nunca faria o que você fez. Nunca cuidaria do meu coração e minhas emoções do jeito que você tem feito’. E realmente me fez pensar em como foi um passo importante na minha vida decidir ficar saudável mentalmente".

Gaga continua: "Eu quero que meu legado seja o diário mais bonito que eu já poderia ter feito. E os diários devem ser verdadeiros. Acho que quando começamos a mentir para nós mesmos em nossos diários, começamos a criar segredos dentro de nós mesmos que não nos ajudam. Eu gosto de me olhar diretamente nos olhos agora".

QUANDO GAGA OLHA para a evolução de sua carreira musical, ela vê um claro desenvolvimento de influências. Ela começa referenciando seu estupro como uma experiência de mudança de vida, que estabeleceu o tom de como ela criava a sua arte enquanto mais jovem. Pouco tempo depois, ela conta que "saí em turnês e fiquei muito traumatizada com o ritmo da fama e tudo o que eu tinha que fazer - o que me era exigido fisicamente e mentalmente, isso mudou a maneira como eu escrevia. Relacionamentos, família, amigos, isolamento, viajando para toda parte, sem dormir". Ainda assim - com os inevitáveis altos e baixos extremos de uma superestrela que foi construída e destruída pelo público - Gaga diz que não se arrepende de nada que já fez.

“Eu ficava pensando tipo 'vou morrer em breve, então tenho que dizer algo importante'. Agora eu ouço isso e sei que vou viver” - Lady Gaga.

O tópico do ARTPOP surge. Especificamente o controverso tweet de Gaga em 2019, "Não me lembro do ARTPOP", que deixou os fãs em um frenesi absoluto em defesa do esforço dela que fora subestimado e criticado em 2013. Na verdade, Gaga às vezes se lembra de seu controverso terceiro álbum. "Acho engraçado que eu não tenha permissão para usar um senso de humor", diz ela. "A internet é essencialmente uma grande piada, mas se eu fizer uma, todos surtam. Não me arrependo da minha arte e não sugeriria que alguém se arrependesse". Embora o ARTPOP não possa se comparar ao sucesso colossal dos dois primeiros álbuns de Gaga, é certamente o mais experimental até o momento. (Justiça para Sexxx Dreams! O single de sucesso que nunca aconteceu). “Eu olho para o ARTPOP e olho para as músicas de hoje, e vejo muitas coisas que eram muito...". Gaga faz uma pausa para encontrar a palavra certa. "Futuristas. Ou as coisas ali estavam à frente de seu tempo; e eu estou tranquila em dizer isso”.

Houve um período em que Gaga dizia que era mais "introspectiva" e, portanto, queria fazer música para si mesma, começando com o ARTPOP e depois com Joanne. Ambos os álbuns foram polarizadores, projetos muito diferentes para os fãs de longa data digerirem inicialmente, mas congelaram um momento honesto no tempo para um artista sendo puxado em duas direções: pelas imensas pressões da fama, mas também como por sua própria necessidade de autorrealização. "Joanne foi exatamente o que eu queria fazer", afirma Gaga. "Do jeito que eu queria fazer, do jeito que eu queria que soasse, e o ARTPOP também - é esse o sentimento. Todos os álbuns foram exatamente o que eu queria fazer naquele momento. É que houve um período em que acho que esqueci onde estava, e talvez seja por isso que tenha sido tão importante para mim, com o Chromatica, restabelecer onde estou para mim mesma. Então, isso aqui pode significar algo muito poderoso".

Ao criar Chromatica, Gaga diz que se reconectou com a maneira como acredita que a música se move através dela, como um mensageiro de um espírito superior. Ela acredita em Deus, tendo crescido católica, mas diz que Deus é "grande demais" para ela entender completamente. Segundo Gaga, ideias para as músicas de Chromatica vieram a ela após "abrir o portal para o outro reino e ouvir Deus", e é por isso que tudo soa tão positivo. "Isso é o que o outro reino estava me dizendo para criar", diz ela. "Para algumas pessoas, pode parecer que tenho uma perspectiva de vida excêntrica, mas na verdade não acho que meu talento pertença a mim". Quando Gaga era mais jovem, ela se lembra de ouvir melodias em sua cabeça e "correr para o piano". O portal esteve com Gaga a vida toda, só que ela se esqueceu por um breve momento de ouvir.

Uma dessas mensagens levou Gaga a colaborar com uma colega pop star, que também sofreu um imenso trauma enquanto estava sob os olhos do público. A música delas juntas é uma monstruosidade para se dançar, mas sua mensagem é sobre submeter-se a algo devastador ("Está caindo água sobre mim como uma miséria") - uma perfeição das pistas de dança como uma "celebração de todas as lágrimas", Gaga descreve. "Eu sentei com ela e conversamos sobre nossas vidas. São duas mulheres conversando sobre como seguir em frente e como agradecer pelo que você faz". Sem ser solicitada, Gaga levanta as inevitáveis críticas que as celebridades enfrentam quando dizem "é difícil ser famoso". Ela sabe que "75% do mundo revira os olhos", mas Gaga responde: "Sim, você pode estar em uma mansão, mas continuará enterrada a sete palmos nesta mansão”.

Em outros lugares em Chromatica, Gaga explora tópicos, como seus remédios antipsicóticos ("Meu maior inimigo sou eu, ligue para o 911") e a inegável força da feminilidade ("Não sou nada sem uma mão firme"), a última das quais reconhece sua força, assim como a da comunidade que a "animou" e a ajudou a "tornar-se uma mulher". Especificamente, ela fala [nesta música] com as mulheres trans e homens gays por ajudá-la a lidar com o TEPT (Transtorno do Estresse Pós-traumático) e a superar quaisquer espirais associadas ao alívio de sua dor. "Em 2020, o que significa ser uma mulher livre?", pergunta Gaga, incitando uma música que responde a essa pergunta e a vê desafiando a necessidade de estar com um homem - ou com alguém - para sobreviver. "Posso me sentir livre por conta própria? Preciso ser amada para sentir que conquistei tudo?". Falando sobre a origem da faixa, Gaga diz: "Ficava pensando em alguns dias que eu iria morrer. Eu pensava: 'vou morrer em breve, então tenho que dizer algo importante.' Agora eu ouço [esta música] e sei que vou viver".

SE CHROMATICA é sobre um estado mental em que "a bondade governa tudo", criada como um presente "para o mundo", Gaga diz que era crucial que o processo colaborativo espelhasse também esses valores. Gaga sinaliza a dificuldade de falar sobre mais de dois anos de produção musical com vários produtores diferentes em apenas uma entrevista e, em vez disso, propõe que ela crie uma planilha em Excel para mim, da qual detalhará exatamente com quem trabalhou e em quê. Acima de tudo, Gaga quer falar longamente sobre o BloodPop®, seu outro "núcleo" no Chromatica. "Nós combinamos", ela diz sobre trabalhar com ele nesse projeto. "Estou impressionada com a quantidade de amor que ele tinha para me oferecer. Eu não poderia ter feito esse álbum sem ele. Ele foi o alarme mais incrível do mundo que uma ambulância poderia fazer em sua chegada”.

Todos os músicos envolvidos - BURNS, Axwell, Rami Yacoub, Benjamin Rice, Tchami e mais - trabalharam no Chromatica como um esforço de grupo igual, o que é raro, considerando a quantidade de produtores que "podem ficar muito territoriais", Gaga diz isso com base em suas experiências anteriores. "Foi um processo muito fluido, sem ego", diz ela. "Tudo que você ouve no Chromatica era repassado e as coisas seriam removidas, alteradas ou mudadas. Todos aqui ouviram ou tocaram". É por isso que músicas como Stupid Love parecem notavelmente complexas e com alma. "É fácil entrar em um computador e encontrar um loop legal, mas os produtores com quem trabalho não funcionam dessa maneira. Quando são inspirados, bordam as coisas".

Do início ao fim, Chromatica está firmemente enraizado no gênero house, com crocantes batidas para se dançar em uma balada, que parecem estar competindo entre si para serem a maior dentre as músicas do álbum. Sonoramente, talvez seja o álbum mais focado e consistente de Gaga até o momento, com todas essas contribuições de produtores que se estenderão a uma tapeçaria eletrônica destemida, tecida em finalizações que não seguem regras, melodias de power-pop emocionais que estimulam uma corrente de dopamina que escorrerá pelo cérebro, com toneladas de sintetizadores brilhantes e manchados. Você pode chorar com essas músicas, assim como poderá suar com elas, e Gaga parece encorajar ambas as coisas ao mesmo tempo.

As tensões podem aumentar facilmente no estúdio, mas Gaga orgulhosamente atesta que ela experimentou o contrário ao gravar o Chromatica. "Eu acho que o único dia em que eu e o BloodPop® brigamos foi quando eu estava tentando aprender uma música de jazz, porque eu iria encontrar com o Tony [Bennett] muito em breve. Ele estava tipo, 'Temos que terminar isso!' e eu estava cantando um disco de Cole Porter no canto", ela ri. "E isso nem foi realmente uma briga". Em vez disso, o BloodPop® estava mais focado em reunir pessoas através desse processo. "Era como se alguns homens realmente talentosos e maravilhosos juntassem suas forças com o BloodPop®, e na frente de todos eles, ele dissesse: 'Você se lembra o quanto mudou o mundo? Você sabe o quanto tem a oferecer às pessoas?’, ele me lembrou disso todos os dias, não importa o quão difícil fosse”.

E em Chromatica, o que Gaga oferece é uma espécie de abertura, honestidade e uma afirmação do espírito humano - o dela e o do resto do mundo. "O espírito humano é mais poderoso do que qualquer coisa", diz ela. "Acho que o Chromatica é a coisa mais honesta que eu já criei, e nunca esquecerei de como foi fazer esse disco. Foi um dos momentos mais especiais e difíceis da minha vida". Como se quisesse dizer o que queria no final de nossa reunião, Gaga pega um cristal verde gigante na mesa de centro, cercado por alto-falantes, microfones e mixers. "Você sabe que os cristais existem há bilhões de anos?", ela pergunta sorrindo. "O passado é incrível. Veja o que fizemos sem a tecnologia. Veja como sobrevivemos sem ela. Veja como nós continuamos a existir”. Certamente nenhum drone poderia dizer o mesmo.

  • Fotografia e imagem: Frederik Heyman

  • Direção criativa: Nicola Formichetti

  • Estilista: Sandra Amador e Tom Erebout

  • Cabelo: Frederic Aspiras

  • Maquiagem: Sarah Tanno

  • Unhas: Miho Okawara

  • Pós-produção em CG e 3D: Mathematic

  • Estúdio de Scan: Human Engine

  • Line para Frederik Heyman: Roxane Lemaire

Confira a matéria na versão original.

Tradução por Vanessa Braz de Queiroz, Laíza Coelho e Gustavo C.B. Kolliner.

E aí, o que vocês acharam dessa entrevista? Quais são suas expectativas para o álbum e eventuais colaborações? Contem pra gente!

“Stupid Love”, novo single de Lady Gaga lançado em 28 de fevereiro, está disponível em todas as plataformas digitais. A música é o carro-chefe do próximo álbum da cantora, intitulado “Chromatica”, que tem data de lançamento marcada para 10 de abril.

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Revisão por Daniel Alberico e Vinícius de Souza