Como anunciado na manhã desta segunda - feira (10), Lady Gaga foi escolhida para ser o rosto da edição de outubro da famosa revista de moda VOGUE. Como já publicado aqui, algumas fotos já foram liberadas, e consequentemente outras também estão aparecendo.

A cantora também concedeu uma entrevista exclusiva para a revista, onde são abordados vários assuntos, inclusive sobre o filme em que atua como protagonista, e também seus 10 anos de carreira.

Leia a tradução da entrevista completa:

Lady Gaga se abre sobre "Nasce Uma Estrela", o movimento #MeToo, e uma década no Pop

A casa de Lady Gaga em Malibu é em uma estrada relativamente indefinida bem próxima da Estrada da Costa do Pacífico, situada no que parece (para Malibu) um bairro normal do subúrbio. Quando os portões do seu recinto se abrem, você passa por uma estrada de cascalho que te leva para a propriedade de muitos hectares, para o cercado onde ela cavalga no seu cavalo, Arabella, para o celeiro, o estábulo e os cachorros latindo, Grandpa e Ronnie — e chega em uma casa feita de pedra não esculpida que parece, de primeira vista, como se pertencesse ao Sul da França. Um homem simpático e jovem recebe você em seu carro, explica que ele é o segurança e pede para que você assine um Acordo de Confidencialidade. Há pelo menos uma dúzia de carros estacionados, a maioria deles pertence à pessoas que estão fazendo algum tipo de trabalho aqui — cuidando da propriedade ou da "lady" que vive aqui de alguma forma ou de outra. Todo o arranjo é grande e, ainda assim, singelo (para ser a casa de uma estrela do rock em Malibu).

Quando Gaga desce as escadas e faz sua entrada nessa tarde quente de agosto, ela está usando um roupão azul-claro com babado que desliza no chão, com nada embaixo a não ser um sutiã e calcinha combinando — junto de saltos baixos de cor nude e uma joia de diamante digna de Liz Taylor. Tendo voltado ontem de férias longas e relaxantes em alguma ilha tropical remota com seu namorado, ela está estranhamente bronzeada, e enquanto ela me leva para o jardim através de portas francesas, eu consigo ver quase todas as suas tatuagens — e seu bumbum torneado — através da roupa. Há rosas balançando ao vento e um gramado longo e inclinado que leva a uma piscina e ao Oceano Pacífico, cintilando ao sol da tarde.. "Esse é o meu santuário" ela diz. "Meu oásis de paz. Eu chamo de meu 'palácio nômade'".

Ela comprou esse palácio cerca de quatro anos atrás, quando ela estava passando por um momento difícil — tanto fisicamente como mentalmente — e tem passado mais e mais tempo por aqui ultimamente. "Eu acabei de vender meu apartamento em Nova Iorque — todos os dias eram muito agitados do lado de fora", ela diz. Enquanto ficamos lá olhando para o oceano, eu pergunto se ela é feliz. "Sim — Estou focando nas coisas que eu acredito. Tenho me desafiado. Estou explorando um novo território — com alguma coragem e com grande alegria" (Gaga tem um hábito divertido de inventar palavras que sempre fazem muito sentido). "É um momento interessante da minha vida. É uma transição, claro. Passou uma década".

Em abril, Gaga registrou no seu Instagram que era o décimo aniversário de seu primeiro single, "Just Dance". Foi a música do verão de 2008 — as horas finais dos anos dourados, antes da economia implodir e a Grande Recessão se estabelecer — e quase imediatamente ela se tornou a maior estrela pop do mundo, assombrando nossos sonhos — e pesadelos — com monstros, vestidos de carne e algumas das melodias mais grudentas já escritas (GAAAA-GA OOOH-LA-LA!). Quando eu a perguntei o que mudou para ela nos últimos dez anos, Gaga, que tem 32 anos diz: "Uma galáxia", e ri. "Foi uma galáxia de mudanças". Ela pausa por um momento. "Eu diria que tem sido um vendaval ininterrupto. E quando eu estou em um modo criativo e imaginativo, meio que eu entro em um trenó com milhares de cavalos que me levam para longe e eu não consigo parar de trabalhar." Outra pausa. "Você… faz amigos, perde amigos, constrói vínculos mais fortes com pessoas que você conhece por toda a sua vida. Mas há muita dor emocional, e você não consegue entender realmente o que tudo isso significa até que tenha passado dez anos".

Dia 5 de outubro, a Warner Bros. Pictures irá lançar a quarta versão da história de amor trágica e musical de "Nasce Uma Estrela", protagonizada por Bradley Cooper e Lady Gaga. A primeira versão foi lançada em 1937, protagonizada por Janet Gaynor e Fredric March, a seguinte foi com Judy Garland e James Mason em 1954 e Barbra Streisand e Kris Kristofferson em 1976. Gaga pensa no filme menos como um remake e mais como um "legado de viagem ao tempo". Dirigido por Cooper, em sua estreia, o filme é impressionantemente seguro, profundamente comovente, e funciona em vários níveis: como romance, drama, musical, dentre outras coisas, quase como se você estivesse assistindo algo ao vivo, ou como se fosse o material de um documentário que mostrasse um ótimo show antigo de rock-’n’-roll. "Eu quero contar uma história de amor", diz Cooper, "e para mim não há melhor forma de fazer isso do que através da música. Com música, é impossível de se esconder. Cada fibra do seu corpo se torna viva quando você canta". Como Sean Penn disse, depois de ver o filme mais de uma vez, "É o melhor e mais importante filme comercial que eu vi em muitos anos", e ele descreveu as estrelas como "milagres". Cooper, Gaga e o próprio filme provavelmente serão indicados para todo tipo de prêmio.

Cooper é uma revelação, tendo se transformado em uma estrela do rock obcecada por bebida e pílulas: ele aprendeu a tocar violão, trabalhou com um tutor vocal e professor de piano por um ano e meio, e escreveu três músicas. "Tudo por causa de Gaga", ele diz. "Ela me deu confiança". Ele canta surpreendentemente bem. Gaga, cuja única experiência de atuação é em alguns de seus vídeos antigos (Procure no Google as versões longas de "Telephone" e "Marry The Night" se você quer ver a promessa precoce), vários episódios de *American Horror Story", e algumas participações em filmes de Robert Rodriguez, ela não só impressiona quando está com Cooper, como de alguma forma consegue fazer você esquecer completamente que ela é Lady Gaga — o que é um grande feito. Mas o que realmente faz o filme ser bom é a química impecável entre as duas estrelas, particularmente nas cenas iniciais do encontro deles e eles se apaixonando, o que é um dos momentos mais comoventemente reais e ternos que eu já vi entre dois atores.

Gaga e eu entramos na casa e sentamos em sofás boho-chic na sala de estar perto da cozinha. Ela abre uma garrafa de rosé. Há velas acesas e flores na mesa. Gaga conheceu Cooper pela primeira vez no Saturday Night Live cerca de cinco anos atrás, mas brevemente, e então um dia em 2016 — tendo assinado o acordo de fazer "Nasce Uma Estrela" e no processo inicial de pensar em quem poderia interpretar Ally para o seu Jackson Maine — ele foi para um evento beneficente na luta contra o câncer no jardim de Sean Parker em L.A. "Ela estava com o cabelo penteado para trás", diz Cooper, "e ela cantou 'La Vie En Rose', e eu só estava . . . flutuando. Me acertou como um diamante no meu cérebro. Eu amei a forma como ela se movimentava, o som da sua voz". Ele ligou para o agente dela e, no próximo dia, ele foi para Malibu. "O segundo que eu o vi", diz Gaga, "Eu fiquei tipo, parece que eu te conheço a minha vida toda. Foi uma conexão instantânea, uma compreensão instantânea de um com outro". Cooper: "Ela desceu as escadas e foi para o pátio e eu vi os olhos dela, e honestamente, nos conectamos e foi, uau". Ele praticamente a ofereceu o papel naquele lugar. "Ela disse, 'Você está com fome?' e eu disse, 'Estou faminto', nós fomos para a cozinha dela para comer macarrão e almôndegas".

Gaga: "Antes de eu perceber, eu estava fazendo comida para ele e estávamos conversando. E então ele disse, 'Eu quero ver se conseguimos cantar essa música juntos'", Cooper: "Ela meio que estava rindo de mim por eu ter sugerido isso, mas eu disse, 'A verdade é que, só vai funcionar se nós conseguirmos cantar juntos', E ela disse, 'Bem, que música é?' E eu disse, "Midnight Special", essa música antiga folk". Gaga: "Eu imprimi a partitura da música, e ele tinha a letra no seu celular, eu sentei no piano e comecei a tocar, e quando Bradley começou a cantar eu falei: 'Meu Deus Bradley, você tem uma voz tremenda'". Cooper: "Ela disse, 'Alguém já ouviu você cantar antes?' e eu disse que não." Gaga: "Ele canta com coragem, vem da alma! Eu sabia instantaneamente: Esse cara poderia interpretar uma estrela do rock. E eu não acho que existem muitas pessoas em Hollywood que podem. Esse foi o momento que eu soube que o filme poderia ser algo verdadeiramente especial."

Cooper: "E ela disse, 'Deveríamos gravar isso'. Então eu comecei a gravar no meu celular e nós cantamos. Foi uma loucura. Só funcionou. E aquele vídeo foi uma das coisas que eu mostrei para a Warner Bros. para que o filme recebesse o sinal verde para ser filmado".

Estranhamente, o filme seria originalmente dirigido por Clint Eastwood — em um primeiro momento, seria protagonizado por Beyoncé — e Eastwood ofereceu o papel de Jackson para Cooper. "Eu tinha 38 anos na época, e eu sabia que eu não iria conseguir fazer", diz Cooper, agora com 43. "Mas depois eu fiz Sniper Americano com Clint e Homem Elefante por um ano na Broadway e pensei, agora sou velho o suficiente". O estrelato pop parece recair sobre os jovens hoje em dia, mas essa é uma história sobre adultos. "Eu frequentemente falava para Lady Gaga, 'Esse é um filme sobre o que teria acontecido se você não tivesse conseguido até que você tivesse 31 anos, ao invés de 21'. Nós conversamos muito sobre onde ela começou no Lower East Side, e ela me contou de um bar drag onde ela costumava ir, e eu pensei Oh, isso é oportuno para a história".

E foi mesmo, uma das melhores cenas do filme aparece bem no começo quando Jack, desesperado por um bebida, vai parar em um bar gay na noite drag. Ally é a única mulher que as queens permitem que se apresente no palco, e quando ela canta "La Vie En Rose", Jack se apaixona pra valer. Gaga disse que a química entre ela e Cooper é tão boa no filme porque é real. Mas ela também acha que Cooper 'arrasou' no vodu complicado que acontece quando amor e fama se entrelaçam. "É muito complexo, são coisas cheias de camadas, com muita intensidade emocional, e ele capturou isso. Acho que é isso que faz o filme tão bem-sucedido: por ser tão real. E eu vivi isso, então eu posso confirmar". (Outra coisa que dá autenticidade ao filme: Cooper selecionou algumas drag queens que ele conhecia da Filadélfia, assim como dançarinos da Gaga, coreógrafos, cabeleireiros e maquiadores, que aparecem em algumas cenas).

Em dezembro, eu fui para a casa do Cooper em Los Angeles para assistir um pouco das filmagens, e quando sentamos na sala de exibição no cômodo que ele construiu em sua garagem, cercado de violões e um velho piano, seu editor mostrou algumas cenas. O que me impressionou imediatamente foi quão intensamente viscerais são as sequências musicais. Cooper explicou que, por insistência de Gaga, eles gravaram tudo ao vivo. "Todas as cenas no festival country Stagecoach em Indio, Califórnia, e no Festival Glastonbury na Inglaterra". "Em Stagecoach, quatro minutos antes de Willie Nelson começar, nós subimos no palco", diz Cooper. "Aquilo foi real. No Glastonbury, eu subi no palco na frente de 80.000 pessoas. Foi uma loucura. Mas Lady Gaga é tão boa que se o mundo que eu tivesse criado não fosse autêntico, ainda assim iria se destacar em um segundo. Tudo tinha que ser elevado ao nível dela".

Um pouco da história que foi perdida na saga de Gaga foi que quando ela começou a tocar piano aos quatro anos e a escrever músicas aos onze, ela queria ser atriz antes de querer ser cantora. Quando ela tinha doze anos, ela começou a fazer aulas de atuação no Lee Strasberg Theatre & Film Institute e mais tarde na Tisch School Of The Arts na Universidade de Nova Iorque. "Eu amava", ela diz, "mas eu era terrível em fazer testes — eu ficava muito nervosa e não conseguia ser eu mesma". Então ela decidiu tentar ser musicista — e conseguiu um acordo com uma gravadora dentro de um ano. Ela ficou nervosa ao fazer um filme? "Claro — mas eu sabia que eu tinha isso dentro de mim, no meu coração, a capacidade de fazer uma performance autêntica".

O maior desafio para Lady Gaga foi criar um personagem musical que não era parecido com... Lady Gaga. "Eu queria que o público ficasse imerso em algo completamente diferente", ela diz. "E é quase difícil falar sobre isso, porque eu meio que me tornei Ally". Por mais que as versões de Garland e Streisand tenham sido boas, você meio que às vezes está assistindo filmes sobre... Garland e Streisand. Dito isso, pode ser que não haja pessoa mais perfeita para pegar essa franquia do que Gaga. "É tão humilde", ela diz. "Judy Garland é de longe minha atriz preferida de todos os tempos. Eu costumava assistir ela em 'Nasce Uma Estrela', e é devastador. Ela é tão real, tão no ponto. Seu olhos ficavam marejados, e você podia ver a paixão, a emoção e ouvir a coragem na sua voz". Streisand foi no set um dia. "Foi um momento mágico. Ela realmente me fez sentir como se ela estivesse passando a tocha". Quando eu menciono a voz de Streisand, ela diz, "A voz dela vai além, mas o que vai mais além ainda é o quão envolvida ela fica em tudo que faz. Aquilo fez eu me sentir bem também, que nós abordamos esse filme da forma correta".

A trilha sonora será liberada no mesmo dia do filme, e por ser uma produção de Lady Gaga, ela tem grande participação na mesma. Há muitos compositores e produtores que trabalharam em músicas diferentes, mas o cérebro de confiança era de Gaga e Cooper, trabalhando próximos com os produtores de blues e compositores Ben Rice e Lukas Nelson, que é filho de Willie. "Ela é fã do meu pai, mas ela tem uma tatuagem do David Bowie, e Bowie também era meu herói", diz Nelson. "Eu tenho a tendência de gravitar em direção a roqueiros que são gentis e meio que buscam uma mudança e o direito de ser quem eles são — de ser louco e ser orgulhoso disso. E eu acho que muitas pessoas se viraram para Gaga nesse sentido — como se ela fosse um sinal de esperança: Eu posso fazer o que eu quiser. Ela se inventou".

Foi ideia de Gaga colocar pedaços de diálogos no álbum, e há algumas músicas que não estão no filme - "mimos", como ela as chama. Ela pergunta se eu quero ouvir música, e nós vamos para um pequeno vestíbulo perto da cozinha, meio que um escritório com uma mesa, computador e dois auto falantes bem altos. Ela conecta seu celular e começa uma música alegre e romântica no piano chamada "Look What I Found", e quando começa a tocar, Gaga dança e canta junto, o mais alto possível, pertinho de mim. De repente eu me sinto como James Corden em um novo segmento: Karaokê na Cozinha. Eu não resisto e começo a dançar também. "Nossa pequena discoteca", diz Gaga.

Ela coloca outra música — uma grande, crescente e triste balada chamada "Before I Cry", com uma orquestra inteira. É a primeira música que Gaga compôs com arranjo de cordas — e conduziu a orquestra no estúdio — e foi inspirada por uma cena angustiante no filme quando Jack bebe e começa a brigar com Ally enquanto ela toma banho. Na trilha sonora, começa com esse diálogo:

Ally: "Porque você não bebe de novo e então nós podemos ficar bêbados pra p*rra até desaparecermos? Ei! Você tem essas pílulas no seu bolso?"

Jackson: "Você é feia pra p*rra, isso é tudo".

Ally: "Eu sou o que?"

Jackson: "Você é feia pra p*rra".

Enquanto a música toca, nós ficamos em pé olhando uma para a outra no pequeno cubículo, e antes de acabar, nós duas estamos com os olhos cheios de água. Ela me abraça e, enquanto vamos para a cozinha pegar mais vinho, ela diz, quase para ela mesma, "Eu amo que estamos dançando e chorando no verdadeiro estilo italiano". Esse é o meu estado natural, eu digo: dançando e chorando. "Meu também", ela diz.

Uma das muitas coisas sobre Lady Gaga que são subestimadas é que ela não nos conta tudo. Por exemplo, nós sabemos muito pouco sobre seu novo namorado, Christian Carino — além de que ele é um agente e que tem 48 anos — porque ela não fala sobre ele. Ela não quer falar nada sobre a nova música que ela está trabalhando para um álbum futuro, ou os scripts que de repente estão rolando. Ela entende mais do que muitos que um pouco de mistério e magia vão longe nesse mundo de exageros. Ela meio que tem barreiras inversas: Ela não irá te contar, por exemplo, onde ela esteve nas férias, mas ela é totalmente transparente sobre ter sido abusada sexualmente quando era adolescente.

Sua música de 2015, "Til It Happens To You", que ela escreveu com Diane Warren para o documentário sobre estupro, The Hunting Ground, foi indicada ao Oscar. Quando ela se apresentou no Oscar em 2016 em um palco cheio de 50 outras vítimas, assustadoramente foi um presságio para o movimento #MeToo que desenrolou-se um ano depois, para a surpresa de Gaga. "Eu sinto que eu tenho sido uma defensora, mas também um membro assustado da multidão, assistindo o #MeToo acontecer", ela diz. "Eu ainda estou incrédula. Eu nunca fui lá na frente e disse quem me estuprou, mas eu acho que cada pessoa tem seu próprio modo de lidar com esse tipo de trauma".

Ela ainda era Stefani Germanotta quando foi estuprada aos dezenove anos por um produtor musical. Ela não contou para ninguém. "Levou anos", ela diz. "Ninguém mais sabia. Foi como se eu tentasse apagar isso do meu cérebro. E quando finalmente contei, foi um monstro grande e feio. E você tem que enfrentar o monstro para se curar". Mais tarde em 2016, Gaga revelou em uma entrevista ao Today que ela sofre de PTSD por causa do estupro. "Para mim, com meus problemas mentais, metade da batalha no começo foi porque eu sentia que eu estava mentindo para o mundo porque eu estava sentindo tanta dor, mas ninguém sabia. Então foi por isso que eu apareci e disse que eu tinha PTSD, porque eu não quero esconder — nada mais do que eu já tenho que esconder". Quando eu pedi que ela descrevesse como ela vivencia os sintomas, ela diz, "Eu me sinto atordoada. Ou atrofiada. Sabe aquela sensação quando você está em uma montanha russa e você está prestes a descer a parte mais inclinada? Aquele medo e o frio na barriga? Meu diafragma paralisa. Então eu tenho dificuldade de respirar e meu corpo todo começa a ter espasmos. Eu começo a chorar. É assim que é para vítimas de trauma todos os dias, e é… horrível. Eu sempre digo que o trauma tem um cérebro, e ele consegue aparecer em tudo que você faz".

Em setembro de 2017, Gaga anunciou no Twitter que sofre de extrema dor causada pela fibromialgia, uma síndrome complexa e ainda sem muitas informações que ela acredita que foi causada pelo abuso sexual e então se tornou pior com o decorrer do tempo, exacerbada pelos rigores das turnês e o peso da fama. (No início desse ano ela teve que cancelar dez shows de sua turnê europeia por causa disso). No documentário Gaga: Five Foot Two da Netflix, que foi lançado no mesmo mês, Gaga permitiu que as câmeras documentassem seu sofrimento para lançar luz à síndrome. "Eu fico muito irritada com as pessoas que não acreditam que a fibromialgia é real. Para mim, e acho que para muitos outros, é um ciclone de ansiedade, depressão, PTSD, trauma e disfunção do pânico, tudo isso faz o sistema nervoso ficar sobrecarregado, e como resultado você sente dor. As pessoas precisam ter mais compaixão. A dor crônica não é uma piada. E todos os dias você acorda sem saber como você irá se sentir".

Hoje, Lady Gaga é uma imagem de saúde: olho vivo, corpo bronzeado e em forma como um violino. "Estou melhorando a cada dia", ela diz, "porque agora eu tenho médicos fantásticos que cuidam de mim e estão me preparando para os shows". Falando de show, ela recentemente assinou um contrato de $100 milhões de dólares com a MGM Resorts International para fazer uma residência em Las Vegas em um teatro com capacidade para 5.300 pessoas. Será chamada Lady Gaga Enigma, e começa no dia 28 de dezembro, ela irá apresentar 74 shows dentro de dois anos — um ritmo razoável que irá permitir que ela cuide melhor de si mesma e que faça mais filmes. "Eu sempre odiei o estigma ao redor de Las Vegas — que é para onde você vai quando está nos momentos finais de sua carreira", ela diz. "Ser uma garota de Las Vegas é um sonho absoluto para mim. É realmente o que eu sempre quis fazer".

Quando ela senta na minha frente nos nossos sofás respectivos — no seu chiffon azul claro, cheio de diamantes — Gaga e Vegas faz perfeito sentido. Ela sempre foi mestre em agitar a nostalgia junto com a dramaticidade moderna, e ainda assim aparecer com algo que parece totalmente novo. Criar shows para Lady Gaga Enigma, claro, trouxe de volta a Haus Of Gaga — seu time de estilistas e invocação de monstros, incluindo Nicola Formichetti. "Nós estamos planejando, fazendo algo totalmente novo, mas deixando a iconografia que já criamos — e garantindo que os fãs irão embora com o sentimento de ter ido para casa com sua comunidade".

Falando da iconografia de Gaga! De alguma forma eu falhei em perceber que nas últimas horas eu estive sentada perto de meio-manequim com um cinto heavy metal enrolado que parece meio que a caixa torácica de um humano/réptil e uma coluna espinhal. Foi feita por Shaun Leane, um designer de joias que trabalhava regularmente com Alexander McQueen. Gaga pega outra peça, um tipo de lenço metálico, também feita por Leane, foi parte da exibição "Savage Beauty" no Met, e gentilmente fixa na sua cabeça. "Eu comprei isso em um leilão", ela diz, trocando olhares. E agora ela quer me mostrar outra coisa, e vai em busca de uma chave. Ela encontra na cozinha e durante o caminho para onde quer que eu esteja indo eu recebo uma tour rápida. Na sala de estar do tamanho de um salão há um grande piano e um sofá rosa moderno e enorme, e um carpete rosa ainda maior. "Eu gosto de rosa", ela diz. "É uma cor relaxante". Ali está seu Globo de Ouro (por American Horror Story, em 2016) e uma fotografia emoldurada de Patti Smith, junto de fotos das crianças de Elton John e David Furnish, Zachary e Elijah, afilhados de Gaga. Na lareira há uma carta emoldurada de David Bowie ("Querida Lady, infelizmente não estarei em NYC por alguns meses, mas obrigadoa pelo bolo"). Em uma parede há uma pintura enorme de uma mulher em um vestido de baile de George Condo, seu rosto ofuscado por manchas e borrões. "Me lembra eu mesma", ela disse com uma piscada. "Linda, mas um pouco bagunçada".

Finalmente nós chegamos na porta trancada. Ela vira a chave e abre para revelar... um quarto cheio de moda! Dois quartos! "Aqui tem principalmente os trabalhos de Saint Laurent e Hedi Slimane", ela diz. "Estou animada para ver o que ele irá fazer em Céline. Aqui uma capa do McQueen que foi feita à medida para mim para o vídeo de "Alejandro". E aqui" — nós vamos para outra sala, mais profundamente para o seu closet de moda, prateleiras e prateleiras de couro, penas, lantejoulas e muito preto — "tudo isso é Gianni Versace dos anos noventa. Eu uso algumas delas, mas na maior parte das vezes eu compro para manter e preservar para dar para um museu um dia. Porque eu amo esses designers". Pausa. "Ali está meu chapéu Joanne!". É o chapéu rosa que ela usou em praticamente todos os vídeos e performances do álbum "Joanne" e na turnê, quando ela começou a se apresentar como… ela mesma, principalmente.

Quando foi que todas as roupas loucamente brilhantes desapareceram? "Para mim, moda, arte e música sempre foram uma forma de proteção. Eu continuava criando mais e mais fantasias para escapar, novas peles para vestir. E toda vez que eu vestia uma nova pele, era como se eu estivesse tomando banho quando eu estava suja: me livrando, me limpando, tirando todas as coisas ruins e me tornando algo novo". Pergunto em voz alta onde tudo começou. "Eu me lembro de me sentir bem irritada com o pensamento de que eu tinha que me conformar em ser 'normal', ou menos do que aquilo que eu tinha nascido para ser. Então eu ficava radicalmente feliz em expressar quem eu era nas formas mais grandiosas". Ela ri. "Era meu jeito educado de dizer 'foda-se'. Nunca foi sobre parecer perfeita — sempre foi sobre ser eu mesma. E eu acho que sempre foi sobre meus fãs também. Era uma forma de proteção, e um segredo — como se fosse uma piscada de longe. Eu sou um monstro e você também é".

Ela tranca a porta, e quando estamos passando novamente pela sala de estar para nos despedir, ela pega um vaso de vidro cheio de rosas frescas do seu jardim e me entrega: "Só uma pequena lembrança", ela diz. Por toda a arte teatral, grandiosidade, ofuscação e a parceria com monstros — e apesar do fato que ela disse ter "concreto nas suas veias" — a maior parte das pessoas parece entender que ela é puro coração. "Eu não sou uma marca", ela diz. "Eu tenho minha existência única, assim como todas as outras pessoas, e no final do dia, é nossa humanidade que nos conecta — nossos corpos e nossa biologia. É isso que gera compaixão e empatia, e essas são as coisas com as quais eu mais me importo. Gentileza!". Ela dá uma risada. "Pode te deixar louco. Alguém muito importante na minha vida diz frequentemente para mim, 'Você não pode ficar encarando carnificina o dia todo'. E eu acho... que você tem que encarar a carnificina até um certo ponto, porque caso contrário você está sendo ignorante e complacente — em não ver injustiça e querer ser parte de defender os outros. Mas....". Ela pausa por um longo momento. "Uma vez que olhamos nos olhos uns dos outros, se conseguirmos manter o contato, aquele contato, eu acho que o mundo seria um lugar melhor".

De repente nós percebemos o som da música pairando de algum lugar, como se alguém tivesse aberto uma pequena caixa de jóias. É um carro de sorvete.

"Fica perto da praia", ela diz, "você pode acreditar nisso? O som viaja esse percurso todo".

O som é um pouco assustador, eu diria.

"Ou", ela diz, "apenas parece que as crianças estão tomando sorvete na praia". Nós duas rimos. Me lembra de algo que conversamos mais cedo: que apesar da música de Gaga ser frequentemente divertida — com uma piscada e um pouco de concentração — ela mesma é uma pessoa séria. Essa foi uma conversa bem séria, eu diria. "Foi mesmo", ela diz. "Isso não é engraçado?".

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Fonte

Tradução por Vanessa Braz de Queiroz

Imagem: Reprodução / Vogue

Revisão por Kathy Vanessa